27/01/2023
Em caso patrocinado pelo Teixeira Fortes, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reconheceu a validade e exequibilidade de título executivo assinado por pessoa sem poderes de representação previstos no contrato social da sociedade devedora, com fundamento na teoria da aparência e no princípio da boa-fé.
Sucintamente, o caso trata de execução que tem por objeto um título denominado “Acordo para Resolução Contratual” em que a sociedade devedora, representada por terceiro não indicado em seu contrato social, se comprometeu ao pagamento do débito reconhecido de forma parcelada, obrigação que não foi cumprida integralmente.
A sociedade devedora opôs embargos à execução alegando que o título executivo não era válido, pois seu contrato social previa a representação da sociedade por dois administradores, enquanto a pessoa que assinou o contrato em seu nome não tinha sequer poderes para representá-la.
Em 1ª Instância, o Juízo da 24ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG reconheceu a validade do instrumento sob os seguintes fundamentos: (i) o contrato principal, que antecedeu o “Acordo para Resolução Contratual”, foi assinado por um dos sócios da sociedade devedora; (ii) a devedora não negou a existência do débito; e, (iii) o novo instrumento firmado apenas dá continuidade ao anterior:
“[…] Por conseguinte, para se chegar a uma decisão justa, há que se privilegiar o conteúdo, em detrimento da forma. Não que a forma deva ser desconsiderada. Todavia, ela deve ser considerada em conjunto com os demais elementos da relação jurídica. Na espécie, estou absolutamente convencido de que a assinatura exarada no título executado representa a vontade da empresa embargante, seja porque foi efetivamente assinado por administrador nomeado no contrato social, seja porque não houve negativa da dívida ou, ainda, porque o contrato executado representa apenas a continuidade da pactuação anterior, devidamente reconhecida pelos litigantes.”
Ao julgar o recurso de apelação interposto pela sociedade devedora, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais manteve a decisão de primeira instância acrescentando o fundamento de que o funcionário que assinou o “Acordo para Resolução Contratual” executado aparentava ter poderes de representação e, segundo os princípios da probidade e boa-fé que devem reger os contratos, a credora não pode ser prejudicada por suposto vício formal e pela conduta temerária da devedora:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – INSTRUMENTO PARTICULAR – ACORDO REALIZADO POR FUNCIONÁRIO SEM PODERES PARA O ATO – TEORIA DA APARÊNCIA – APLICABILIDADE – NULIDADE DO CONTRATO – AFASTADA – PARTE QUE PRETENDE SE BENEFICIAR DA SUA PRÓPRIA TORPEZA. 1. Constatado que o contrato foi firmado com pessoa que agia como se tivesse poderes suficientes para representar a pessoa jurídica, é aplicável a teoria da aparência, possibilitando ao contratante de boa-fé exigir o cumprimento da obrigação perante a própria pessoa jurídica. 2. O ordenamento jurídico civil veda o benefício da parte em razão da sua própria torpeza, com base no princípio do nemo auditur propriam turpitudinem allegans. […] Em análise aos documentos que instruem a presente demanda e a ação de autos nº 5015832-20.2016.8.13.0024, é possível observar que a Execução foi ajuizada por MIB GUINDASTES LTDA., visando à satisfação do crédito de R$ 56.271,61, assumido por TEICON CONSTRIÇÕES LTDA. por meio de Acordo para Resolução Contratual firmado entre as partes. Referido documento foi assinado por Felipe Pereira, o qual, assim como alegou a apelante, não faz parte do quadro societário da empresa, como faz prova o documento de ordem 4. Porém, o que se depreende dos autos, é que o funcionário da apelada que se apresentou como responsável pela assinatura do instrumento aparentava ter poderes para tanto. Por meio do documento de fl. 25 da ordem 5, é possível verificar que o terceiro apôs sua assinatura no Acordo acompanhada de carimbo da empresa apelante. Além disso, ele se apresentava com funcionário da empresa em sua rede profissional, como demonstrou a apelada ao apresentar defesa (fl. 6 da ordem 14). Logo, in casu, é aplicável a teoria da aparência, possibilitando ao contratante de boa-fé exigir o cumprimento da obrigação perante a pessoa jurídica, que foi representada por quem agiu como se tivesse poderes suficientes para representá-la. […] Deve ser ressaltado que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. O Código Civil prestigia a boa-fé objetiva no âmbito obrigacional, conforme dispõem os seus artigos 113 e 422. […] Tendo-se em vista a boa-fé da apelada na contratação, consubstanciada na confiança depositada na publicidade dos atos e informações prestadas pelo funcionário da apelada e na aparência de legitimidade exteriorizada, ela não pode ser a parte prejudicada. Portanto, estando comprovada a contratação com pessoa que agiu como representante da apelante, não há que se falar em nulidade do contrato. Da mesma forma, não se pode acolher a tese de que o título objeto da ação de execução não é exigível, pois não foi assinado por dois administradores nomeados no contrato social ou por um administrador em conjunto com um procurador. Isso ocorre porque é nítida a conduta temerária da embargante, o qual pretende a declaração de nulidade do contrato com base em vícios materiais que, pela própria natureza do negócio, já eram conhecidos à época da contratação. Verifica-se que a parte pretende se beneficiar da sua própria torpeza, o que é vedado pelo ordenamento civil, com base no princípio do nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Assim, por todo o exposto, não há que se falar em nulidade do contrato, motivo pelo qual deve ser mantida a improcedência do pedido formulado em sede de Embargos à Execução.”
As decisões são relevantes pois priorizam o direito – mediante a aplicação da teoria da aparência e o princípio da boa-fé – em detrimento da forma, reconhecendo que o interesse do credor não pode ser prejudicado por simulada nulidade arguida pelo devedor para se beneficiar da própria torpeza, sobretudo quando não há, objetivamente, nenhuma alegação quanto à inexistência do débito.
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