Credor não é obrigado a devolver duplicatas ao devedor se estiver executando a CCB

23/03/2023

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz

A Cédula de Crédito Bancário (CCB) é uma espécie de título de crédito muito utilizada para instrumentalizar a concessão de empréstimos e financiamentos, sendo recorrente que a instituição financeira, ou equiparada, exija que o beneficiário do crédito ofereça um bem em garantia, seja móvel ou imóvel, ou mesmo direitos creditórios, como duplicatas.

Discute-se, então, a possibilidade de o credor, diante do inadimplemento do beneficiário do crédito, cobrar a dívida por meio da execução da CCB, sem deixar de buscar a satisfação do débito mediante a cobrança dos respectivos sacados das duplicatas transmitidas em garantia.

A melhor interpretação da legislação aplicável permite inferir que a cobrança da dívida estampada na CCB pela via executiva não significa renúncia automática às garantias e, portanto, ao optar pela ação de execução contra o devedor, o credor não fica obrigado a lhe devolver as duplicatas, pois poderá continuar cobrando os sacados destes títulos a fim de utilizar os valores eventualmente recebidos para abatimento da dívida garantida.

Decerto, o artigo 28 da Lei nº 10.931/2004 estabelece que “a Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente”. Logo, não há nenhuma exigência legal de que o credor devolva as duplicatas ao devedor da CCB, como condição para execução da dívida, bastando que estejam presentes os requisitos de “certeza” (obrigação expressamente representada no título), “liquidez” (o valor devido ser claro ou apurável aritmeticamente) e “exigibilidade” (a dívida estar vencida). O raciocínio inverso confunde a dívida principal estampada na CCB com a dívida estampada nas duplicatas cedidas em garantia, que são obrigações distintas entre si. Além disso, a cessão definitiva de títulos de crédito também não se confunde com a cessão fiduciária em garantia, instituto diverso.

Melhor dizendo, no negócio fiduciário, havendo o inadimplemento da dívida, o credor pode buscar o recebimento tanto do próprio devedor e coobrigados (avalistas, fiadores etc.), quanto dos devedores do seu devedor, isto é, os sacados das duplicatas oferecidas em garantia ao adimplemento da dívida principal.

Evidentemente, qualquer valor recebido pelo credor, seja diretamente do devedor, seja por meio das garantias, deverá ser utilizado para abater a dívida principal, afastando qualquer alegação de cobrança em duplicidade.

O Superior Tribunal de Justiça enfrentou justamente essa questão, em uma única oportunidade, no julgamento do REsp 1719100/PE [1] . No caso, o Tribunal de Justiça do Pernambuco havia julgado extinto o processo executivo, sob o argumento de que o exequente, um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que adquirira o crédito derivado de uma CCB emitida por uma instituição financeira, reteve indevidamente as duplicatas dadas em garantia pela empresa devedora, circunstância que possibilitaria “cobrança dupla da dívida”. Em suma, a Corte local condicionou o prosseguimento do processo executivo à devolução prévia das duplicatas pelo exequente, argumentando que, ao executar a devedora principal e o avalista, o credor teria renunciado à cobrança das duplicatas. Em outras palavras, o TJPE entendera que o credor deveria ter optado por apenas um entre dois possíveis caminhos: (i) cobrar os sacados das duplicatas; ou (ii) cobrar a devedora principal e o avalista. Caso optasse pela segunda hipótese, estaria obrigado a devolver os recebíveis à empresa devedora, renunciando à garantia.

O STJ, então, considerou que o Tribunal local criou uma exigência não prevista em lei. Segundo o Ministro Luis Felipe Salmão, “Não há exigência legal no ordenamento pátrio que condicione o próprio trânsito do processamento do processo executivo, quando, frise-se, presentes os requisitos de certeza e liquidez do título, à entrega da duplicata”. Sob esse fundamento, o recurso do FIDC foi provido e a ação de execução teve o prosseguimento autorizado, assim como a cobrança perante os sacados das duplicatas.

Embora se trate de uma decisão monocrática – isto é, proferida de forma individual pelo Ministro Relator do recurso –, a fundamentação foi muito bem empregada e poderá servir como base para o julgamento de eventuais novos recursos envolvendo o assunto que forem submetidos ao órgão colegiado.

O entendimento atual e dominante nas Câmaras de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista segue a mesma linha, a exemplo do acórdão ementado a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PRELIMINAR DE NÃO CABIMENTO – […] Lei nº 10.931 de 2004, que disciplina a cédula de crédito bancário, é expressa em admitir que a cessão fiduciária em garantia da cédula de crédito bancário recaia sobre um crédito futuro, o que inviabilizaria a especificação do título – Recurso improvido, neste aspecto. RENÚNCIA À GARANTIA – Alega a agravante que, ao ingressar com a execução de título extrajudicial, a exequente teria renunciado à garantia fiduciária – Considerando que a dívida está lastreada em título executivo extrajudicial, é cabível a propositura de ação de execução – Constituição de garantia fiduciária não afasta o direito do credor de optar pela cobrança do seu crédito, por meio diverso do previsto na Lei nº 9.514/97(execução extrajudicial) – Faculdade do credor fiduciário, que pode optar pela cobrança do seu crédito por meio de execução – Inocorrência da renúncia à garantia – Recurso improvido, neste aspecto. […] [2]

A partir dos precedentes citados, é possível depreender que a mera execução contra o devedor da Cédula de Crédito Bancário não significa automaticamente que o credor estará “recebendo duas vezes” o valor da dívida e “causando dupla oneração” ao devedor. Com efeito, se, por um lado, o devedor se vê impossibilitado de cobrar os sacados das duplicatas transferidas, por outro, ele não está pagando o credor, dando ensejo ao processo de execução. Ademais, como dito, qualquer recebimento pelo credor implicará abatimento da dívida. Logo, não se verifica o alegado desequilíbrio, fazendo-se necessário que o Judiciário busque adotar a interpretação adequada da legislação aplicável ao tema.

 

[1] Confira a decisão na íntegra.

[2] TJSP; Agravo de Instrumento 2013167-84.2022.8.26.0000; Relator: Plinio Novaes de Andrade Júnior; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/08/2022; Data de Registro: 28/08/2022.

 

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