De dentro de casa: “Fidelização” em contrato corporativo de serviço de telefonia não pode ser renovada automaticamente

14/04/2023

Por Camila Almeida Gilbertoni

Não é novidade o verdadeiro calvário ao qual o consumidor é submetido pelas empresas de telefonia. Constantemente, essas empresas fazem contato incisivo para ofertar os seus serviços, não entregam o que é prometido, cobram o que não é devido, dificultam o encerramento da relação contratual e ainda estipulam multas abusivas para que o consumidor possa se livrar do que contratou.

Um tema recorrente nesse tipo de relação é a chamada “fidelização” com “renovação automática de contratos”, meio pelo qual as empresas de telefonia “amarram” o consumidor aos seus serviços, imputando-lhe multa abusiva para se livrar da relação contratual.

Em decisão obtida pelo Teixeira Fortes no Juízo da Comarca de Itatinga/SP foi afastada a “renovação automática” da “fidelização” de contratos corporativos de telefonia, justamente por reconhecer que a “renovação automática” é ato ilícito.

Para a exata compreensão da decisão, é necessário fazer uma pequena distinção entre os negócios jurídicos.

O Contrato de Prestação de Serviços é aquele pelo qual o consumidor contrata determinados serviços da empresa de telefonia e que rege as obrigações entre as partes, tais como: a natureza do serviço contratado; o prazo de vigência do contrato; o preço; entre outras condições relevantes para o cumprimento daquilo que se contratou.

O Contrato de Permanência, por sua vez, é o instrumento pelo qual a empresa de telefonia concede certo benefício ao consumidor (aparelho de telefone, isenção do pagamento da taxa de instalação de serviços, desconto no serviço contratado, etc.) e, em contrapartida, o consumidor se fideliza à empresa, comprometendo-se a ficar vinculado a ela por determinado período. A definição está no art. 2º, inciso II da Resolução nº 632/2014 da Anatel:

“Art. 2º. Para fins deste Regulamento, aplicam-se as seguintes definições:
(…)
II- Contrato de Permanência: documento firmado entre o Consumidor e Prestadora, regido pelas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, que trata do benefício concedido ao Consumidor em troca da sua vinculação, durante um prazo de permanência pré-determinado, a um Contrato de Prestação de Serviço.”

O Contrato de Permanência é regido, ainda, pelo art. 57, da Resolução 632/2014 da Anatel, que prevê que o prazo máximo de permanência obrigatória é de 12 meses, que pode ser estendido por prazo a ser livremente pactuado entre as partes no caso de contrato corporativo (art. 59). Não há previsão de renovação automática do contrato de permanência (ou fidelização).

Segundo o art. 57, §3º, da Resolução 632/2014 da Anatel, “o Contrato de Permanência não se confunde com o Contrato de Prestação do Serviço, mas a ele se vincula, sendo um documento distinto, de caráter comercial e regido pelas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor”. Ele deve conter “(i) o prazo de permanência aplicável; (ii) a descrição do benefício concedido e seu valor; (iii) o valor da multa em caso de rescisão antecipada do Contrato; e (iv) o Contrato de Prestação de Serviço a que se vincula”.

Sintetizando: o Contrato de Prestação de Serviços prevê as condições do que foi contratado, regulando a relação entre a operadora de telefonia e o consumidor; o Contrato de Permanência, de seu turno, estabelece algum benefício ao consumidor que, em contraprestação, se compromete a ficar vinculado por um determinado período à operadora. São relações complementares e coligadas, mas que não se confundem.

Em caso patrocinado pelo Teixeira Fortes, uma indústria de material publicitário celebrou Contratos de Prestação de Serviços com uma empresa de telefonia vinculados a Contratos de Permanência, nos quais as partes pactuaram permanência mínima de 24 meses. Decorrido o prazo de permanência, a empresa solicitou a portabilidade para outra operadora, quando foi surpreendida com a cobrança de multas extremamente abusivas, o que a obrigou a promover uma ação judicial justamente para que a empresa de telefonia fosse compelida a cobrar apenas pelos serviços efetivamente prestados, declarando a inexigibilidade das multas indevidamente cobradas pela alegada quebra da fidelização.

Em sua defesa, a empresa de telefonia pontuou que a multa cobrada era válida, pois os Contratos de Permanência teriam sido “renovados automaticamente”.

A sentença reconheceu que “é vedada a prorrogação automática de fidelização nos contratos com pessoas jurídicas”, concluindo o Juiz da ação que “não havendo concordância expressa do autor com a prorrogação, a cobrança das multas é mesmo indevida, pois na espécie foi cumprido o período mínimo de fidelização, sendo de rigor a procedência desse pedido”.

A decisão se coaduna não apenas com a Resolução nº 632/2014 da Anatel, com o Código de Defesa do Consumidor e com as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas também com a necessidade de frear as abusividades das empresas de telefonia, que constantemente submetem o consumidor a situações de extrema desvantagem e impotência, obrigando-o a permanecer em uma relação que já não é mais de seu interesse e impedindo-o de exercer o seu direito à livre contratação.

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