Validade da assinatura eletrônica e o posicionamento dos Tribunais a respeito do tema

09/06/2023

Por Rosana da Silva Antunes Ignacio

Não é de hoje que se discute a validade da assinatura eletrônica para celebração de contratos.

Como bem pontuado no artigo elaborado pelo Dr. Marcelo Augusto de Barros, a assinatura eletrônica, seja a assinatura digital [1], ou aquela produzida em ambiente fora do padrão ICP-Brasil (Adobe, Clicksign, DocuSign ou similares) [2], é juridicamente válida, prevista na legislação e reconhecida em normas extrajudiciais de Tribunais e pelo governo federal, podendo ser usada em qualquer documento, exceto quando a lei exigir uma forma específica.

Contudo, a questão ainda é levada ao Judiciário. Na grande maioria dos casos, a discussão diz respeito às assinaturas eletrônicas feitas por meio de softwares que reúnem certos elementos –como nome das partes, e-mail, data e IP do computador e confirmações eletrônicas feitas pelas partes ao longo da assinatura do contrato – que visam identificar os signatários, para validar a transação efetuada entre as partes.

Normalmente, a parte que se sente “lesada” após a assinatura do contrato vai ao Judiciário para discutir a legalidade do meio pelo qual concordou com os termos estabelecidos entre as partes para a formalização do negócio.

Entretanto, como bem delineado em recente decisão [3] proferida pelo Desembargador Marilsen Andrade Addario, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, os meios eletrônicos utilizados para as assinaturas são plenamente válidos, de acordo com o ordenamento jurídico:

“Ao contrário da assinatura digital regulamentada pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001, não há um regramento específico que determine quais parâmetros sejam necessários para a validade de uma assinatura eletrônica.

De início convém destacar que o Código Civil dispõe em seu art. 107:

‘A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir’.

É de se destacar que existe série de utilizações em vida moderna que tem sua validade jurídica e se enquadram no conceito de assinatura eletrônica. Pode-se citar a senha cadastrada junto à entidade financeira para saque bancário, ou ainda o cadastro em sistemas judiciais eletrônicos junto aos tribunais. Ambos tidos como assinatura legítima do signatário, embora sem certificado digital emitido por autoridade certificadora credenciada (nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2/2001).

Cabe ressaltar que a referida Medida Provisória institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil –, mas não veda ou restringe a utilização de outros meios que para comprovação de autoria e integridade de documento eletrônico, conforme se depreende do art. 10, vejamos:

Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. (…)

§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Pela literalidade da nova lei, percebe-se que é possível definir que não só as assinaturas eletrônicas com certificado digital ICP-Brasil podem garantir a devida identidade dos signatários.

(…) Desse modo, a partir de uma interpretação mais abrangente da norma aplicável à espécie, é o caso de se dar provimento ao recurso interposto pelo apelante, para o fim de reconhecer a validade da contratação pelo meio eletrônico.” (grifamos)

Conforme tem sido amplamente definido pelos Tribunais, se houver meios de se comprovar a autoria e integridade das assinaturas, bem como a expressa concordância entre as partes em relação à forma como esta será feita – como exige a Medida Provisória n° 2.200-2/2001 –, a assinatura eletrônica será válida.

Vejamos alguns julgados nesse sentido:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ASSINATURA DIGITAL NÃO CERTIFICADA PELA ICP-BRASIL. POSSIBILIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.200-2/2001. DECISÃO REFORMADA.

1. Nos termos da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, não há óbice para a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, podendo, inclusive, ser utilizado certificado não emitido pela ICP-Brasil.

2. Tratando-se de execução de título extrajudicial, a mera ausência de assinatura firmada mediante certificado digital emitido por autoridade certificadora da ICP-Brasil não configura invalidade ao título executivo, tendo em vista a possibilidade de identificação do signatário por outros meios e, por conseguinte, da própria autenticidade e validade da assinatura.

3. Uma vez que a parte executada contraiu empréstimo pessoal, tendo quitado regularmente os débitos por quase um ano, não há como afastar a validade do contrato. Ademais, havendo dúvidas quanto a isso, a executada poderá posteriormente impugnar a regularidade formal do documento.

4. Agravo de instrumento conhecido e provido.” (grifamos) [4]

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – ASSINATURA ELETRÔNICA – MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.200-2 – NÃO UTILIZAÇÃO DO CERTIFICADO DIGITAL EMITIDO POR AUTORIDADE CERTIFICADORA ICP-BRASIL – AUTORIDADE CERTIFICADORA PRIVADA – POSSIBILIDADE PREVISTA EM LEI – CIÊNCIA DO EMITENTE QUANTO A ESSE MEIO – PREVISÃO CONTRATUAL.

– A Medida Provisória nº 2.200-2 é a legislação responsável por instituir a ICP-Brasil, órgão responsável por garantir a autenticidade, integridade e validade jurídica de aplicações que utilizem certificados digitais e transações e documentos em forma eletrônica.

– Presumem-se verdadeiras as assinaturas eletrônicas quando utilizado o processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil. E, quando não utilizado esse meio, mas a identidade eletrônica for emitida por uma autoridade certificadora privada (AC Privada), ambas as partes devem admitir como válido esse meio para ser possível comprovar a autoria.

(…) No caso dos autos, em que pese não se tratar de certificação disponibilizada pela ICP-Brasil, mas por autoridade certificadora privada (Clicksign), o emitente tinha conhecimento de que assim seria, por meio de plataforma a ser disponibilizada pela credora, tendo anuído expressamente.

(…) Assim, tenho que há presunção de veracidade das assinaturas eletrônicas lançadas nos documentos que sustentam a Ação de Busca e Apreensão uma vez que, embora não certificada por entidade credenciada junto à ICP-Brasil – Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira, mas por entidade certificadora privada, consta a anuência do emitente que assim seria por meio de plataforma a ser disponibilizada pela credora.” (grifamos) [5]

“Agravo de instrumento. Cédula de crédito bancário. Execução de título extrajudicial. Validade da assinatura eletrônica simples – sem ser certificada pela ICP-Brasil – aposta na CCB excutida. Autorização legal e contratual para pactuação eletrônica do título. Decisão reformada. Recurso provido.

(…) Isso porque, consoante se depreende das fls. 362 e 378 dos títulos executivos, as Cédulas de Crédito Bancário foram assinadas eletronicamente pela parte devedora.

E essa assinatura eletrônica simples sem ser certificada pela ICP-Brasil permite a verificação da autenticidade por outros elementos, tais como e-mail e endereço IP.

(…) Observa-se que, no caso, a parte devedora, ora agravada, concordou com a pactuação eletrônica do título, reconhecendo a sua validade, consoante Cláusula 9.11 (Fls. 361 e 377).

Logo, não há que se determinar que a parte agravante realize a juntada de documento demonstrando que a assinatura eletrônica aposta no título é certificada pela ICP-Brasil ou que a lide executiva seja convertida em procedimento comum, como entendimento pelo juízo de piso.” (grifamos) [6]

E não é outro o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MÚTUO. CONTRATO ELETRÔNICO. ASSINATURA DIGITAL. FORÇA EXECUTIVA. PRECEDENTE. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Esta Corte Superior possui jurisprudência no sentido de que, diante da nova realidade comercial, em que se verifica elevado grau de relações virtuais, é possível reconhecer a força executiva de contratos assinados eletronicamente, porquanto a assinatura eletrônica atesta a autenticidade do documento, certificando que o contrato foi efetivamente assinado pelo usuário daquela assinatura (REsp 1.495.920/DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 7/6/2018).

2. Havendo pactuação por meio de assinatura digital em contrato eletrônico, certificado por terceiro desinteressado (autoridade certificadora), é possível reconhecer a executividade do contrato.

3. Agravo interno desprovido.” (grifamos) [7]

Considerando que a assinatura eletrônica é uma realidade nas transações comerciais realizadas na atualidade, ter sua legalidade validada pelos Tribunais traz mais segurança às partes e favorece as empresas que se utilizam desse meio para a formalização de seus negócios.

Às empresas, é necessário apenas que se atentem a deixar as condições e a forma de pactuação de maneira expressa e clara no contrato, para que o contratante concorde com seus termos e não tenha argumentos para discutir a validade da transação posteriormente.

 

[1] Assinatura que pressupõe a utilização dos certificados digitais ICP-Brasil como mecanismo de autenticação.

[2] Assinatura que se vale de outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos eletrônicos, validada por certificadoras privadas.

[3] TJMT, Apelação Cível nº 1022213-62.2021.8.11.0002, Des. Rel. Marilsen Andrade Addario, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 25/01/2023, Dje 01/02/2023.

[4] TJDF, Apelação nº 0734223-97.2022.8.07.0000, Des. Rel. Jose Firmo Reis Soub, 8ª Turma Cível, j. 31/01/2023, Dje 09/02/2023.

[5] TJMG, Apelação nº 5009821-28.2021.8.13.0079, Des. Rel. José Eustáquio Lucas Pereira, 21ª Câmara Cível Especializada, j. 17/08/2022, Dje 24/08/2022.

[6] TJSP, Agravo de Instrumento nº 2075030-07.2023.8.26.0000, Rel. Des. Pedro Kodama, 37ª Câmara de Direito Privado, j. 20/04/2023, Dje 20/04/2023.

[7] STJ, AgInt no REsp nº 1.978.859/DF, Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 23/05/2022, DJe 25/05/2022.

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