O contexto
Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a Receita Federal não pode cobrar Imposto de Renda (IR) sobre o ganho de capital decorrente da valorização de bens imóveis transferidos em doação ou herança. De acordo com o STF, a cobrança do IR caracteriza bitributação, uma vez que a transferência já está sujeita ao Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD), cobrado pelos Estados.
Para que se possa compreender os efeitos da decisão do STF, é preciso esclarecer como funciona a tributação do IR nas hipóteses de doação ou herança de bens imóveis.
Na transmissão de um imóvel por doação ou herança, aquele que recebe o bem (donatário ou herdeiro) tem duas opções:
(i) declarar o bem pelo valor que constava na declaração do doador ou do de cujus; ou
(ii) declarar o bem recebido a valor de mercado.
Na primeira hipótese, não haverá IR a recolher, pois não terá havido valorização do bem. O contribuinte deverá recolher apenas o ITCMD.
Já na segunda hipótese, haverá valorização do imóvel (valor de mercado – valor original), ficando o contribuinte obrigado a pagar o IR sobre o ganho de capital, além do ITCMD.
Por exemplo, se uma pessoa receber em doação um imóvel declarado pelo valor original de R$ 500 mil, cujo valor de mercado é de R$ 1 milhão, ela poderá optar por declarar o imóvel pelo valor original ou pelo valor de mercado. Se escolher o valor de mercado, a Receita Federal considerará que o doador teve um ganho de capital de R$ 500 mil, e exigirá o pagamento do IR sobre essa valorização (com alíquota de 15% nesse exemplo).
Segundo a Receita Federal, não se trata de tributar a doação ou herança, mas sim de cobrar o IR sobre a valorização do imóvel, já configurada, e que somente foi apurada no momento em que o imóvel foi declarado por quem o recebeu. Não haveria, portanto, dupla tributação em razão da cobrança do ITCMD pelos Estados na mesma operação.
A decisão do STF
O caso julgado pelo STF cuida de ação movida por uma pessoa física que fez doações de vários imóveis para suas filhas e foi autuada pela Receita Federal por não pagar o IR sobre o ganho de capital. A Receita Federal exigiu da doadora o imposto de renda sobre o ganho de capital que teria sido apurado nas doações, realizadas a valor de mercado.
A doadora dos imóveis impetrou um mandado de segurança contra a exigência do IR, sustentando, entre outros argumentos, o seguinte:
(i) a cobrança do imposto de renda contra o doador sobre o suposto ganho de capital seria inconstitucional, pois na doação o doador não experimenta acréscimo patrimonial – fato gerador do IR –, mas sim decréscimo patrimonial;
(ii) ao fazer incidir o imposto de renda sobre o suposto ganho de capital ocorrido na doação, o legislador invadiu a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, a quem compete tributar as transmissões de bens por doação.
A contribuinte venceu a ação nas instâncias ordinárias, e o caso chegou ao STF em razão do recurso interposto pela União. A Primeira Turma do STF manteve o entendimento adotado nas instâncias ordinárias, acolhendo os argumentos da autora da ação.
É importante destacar que essa decisão não representa o entendimento consolidado do STF, uma vez que não foi proferida com repercussão geral. Na verdade, existe divergência no STF em relação ao tema. A decisão em questão reflete o entendimento da Primeira Turma, que diverge da posição adotada pelos integrantes da Segunda Turma.
Portanto, o cenário jurisprudencial sobre o tema ainda é incerto. Atualmente, a falta de pagamento do IR na hipótese de avaliação do bem doado ou herdado a valor de mercado pode expor o contribuinte à autuação da Receita Federal.
As consequências da decisão do STF
Caso a exigência do imposto de renda sobre ganho de capital cobrado do doador em uma doação seja considerada inconstitucional e a questão seja pacificada no STF, poderá haver uma lacuna na tributação do donatário sobre o ganho de capital na alienação do bem recebido em doação. Se a legislação não for ajustada a essa nova realidade, os contribuintes ficarão à mercê da insegurança jurídica.
Em um cenário de incertezas, o contribuinte conservador pode optar por solicitar uma solução de consulta à Receita Federal ou buscar amparo no Poder Judiciário, por meio de um mandado de segurança preventivo para assegurar o direito de não recolher o imposto. Já o contribuinte mais arrojado pode aguardar uma eventual fiscalização para discutir a questão com a Receita Federal, sujeito ao risco de ser autuado com a imposição de uma multa de no mínimo 75% do valor do imposto. Ou, com sorte, o crédito tributário pode ser extinto pelo decurso do prazo decadencial de 5 anos.
02 dezembro, 2024
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