Publicações societárias são documentos ou informações divulgados por empresas com o objetivo de comunicar assuntos relevantes aos seus acionistas, investidores e ao público em geral. Essas publicações têm como objetivo fornecer prestação de contas e transparência, permitindo o acesso a informações importantes sobre a saúde financeira, operações, estratégias e outros aspectos relevantes do negócio, e estão embasadas na legislação vigente.
No entanto, apesar dos avanços tecnológicos e da disponibilidade de meios digitais para a divulgação, algumas publicações societárias ainda são obrigatoriamente realizadas em jornais físicos. Essa exigência acarreta em óbvio impacto ambiental negativo, uma vez que consome recursos naturais, papel, tinta e energia, além de gerar resíduos. Além disso, essa prática contribui para o desmatamento, a poluição do ar e da água, a emissão de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade.
De acordo com um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em 2018 foram geradas 2,4 milhões de toneladas de resíduos de papel e papelão no Brasil, e apenas 66% foi destinado à reciclagem. A necessidade de manter as publicações societárias em jornais físicos, mesmo em 2023, com os avanços tecnológicos e a existência de meios digitais para sua divulgação, é um ponto que merece crítica e reflexão.
A legislação brasileira atual impõe essa obrigatoriedade, conforme exposto a seguir. Por isso, é crucial que sejam realizados esforços para revisar essa exigência legal, que prejudica o meio ambiente e contribui para a degradação dos recursos naturais.
Algumas alternativas têm sido propostas para reduzir o impacto das publicações societárias em jornais físicos, como o uso de papel reciclado, diminuição do tamanho das publicações ou substituição dos jornais físicos por meios eletrônicos. A ideia é que a tecnologia seja aproveitada em benefício das empresas e da sociedade.
Essa abordagem está relacionada ao conceito de ESG [1] (Environmental, Social and Governance), que se refere às práticas ambientais, sociais e de governança corporativa que as empresas adotam para se tornarem mais responsáveis e sustentáveis. É um conceito cada vez mais valorizado pelos investidores e pela sociedade, buscando empresas comprometidas com o desenvolvimento sustentável.
No entanto, devido à obrigatoriedade das publicações societárias em jornais físicos imposta pela legislação brasileira, as empresas enfrentam um dilema quando desejam cumprir com os princípios ESG.
As regras, o formato e o local de divulgação das publicações societárias variam de acordo com o tipo societário. No caso das Sociedades Anônimas, regidas pela Lei das Sociedades Anônimas (“Lei das S.A.” – Lei nº 6.404/1976), há a obrigação de divulgar diversos atos societários, e a legislação estabelece a forma como essas publicações devem ser realizadas. Alguns exemplos de atos que devem ser publicados são:
(a) Ato Constitutivo: a criação da companhia em si deve ser publicada, conforme estabelecido no artigo 94 da Lei das S.A., que determina que nenhuma empresa pode funcionar sem que seus atos constitutivos sejam arquivados e publicados;
(b) Assembleia Geral Ordinária (“AGO”): De acordo com o artigo 133 da Lei das S.A., é necessário publicar anúncios informando aos acionistas que os documentos necessários para a AGO estão disponíveis na sede da sociedade. Esses anúncios devem ser publicados três vezes, a menos que haja acordo unânime dos acionistas para dispensá-los ou se os documentos forem publicados com um mês de antecedência à data marcada para a AGO;
(c) Atas de assembleias: Após a realização da assembleia, a ata da AGO deve ser publicada, conforme o artigo 134, §5º da Lei das S.A. Além disso, em casos de Assembleias Gerais Extraordinárias (AGE) que envolvam assuntos específicos, como decisões sobre o direito de saída da sociedade, emissão de debêntures, mudanças estatutárias, saída de administrador, diminuição do capital social com devolução aos acionistas ou aprovação de operações de incorporação, cisão ou fusão, as atas correspondentes também devem ser publicadas (artigos 227 a 233 da Lei das S.A.); entre outros.
A princípio, as Sociedades Anônimas devem observar as disposições do artigo 289 da Lei das S.A., que estabelece a necessidade de publicação em jornal de grande circulação editado na localidade onde está situada a sua sede. Essa publicação deve ser feita de forma resumida e impressa, com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet.
Existem exceções à regra do formato da publicação para as Sociedades Anônimas. Uma delas é aplicável a sociedades anônimas de capital fechado com receita bruta anual de até R$ 78 milhões, que podem publicar seus atos societários de forma digital na Central de Balanços do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) sem cobrança de taxas, conforme a Portaria nº 12.071/2021 do Ministério da Economia, que regulamenta a divulgação eletrônica das companhias prevista no artigo 294, III, da Lei das S.A. [2], com base no artigo da 16 da Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups), já abordado nesse artigo. O SPED permite a emissão de documentos que comprovem a autenticidade, a inalterabilidade e a data de publicação dos atos, que contarão com assinatura eletrônica que utiliza certificado digital.
Outra exceção se aplica para as sociedades anônimas de capital aberto de menor porte, ou seja, aquelas que possuem receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões. Para essas companhias, já é possível realizar suas publicações obrigatórias por meio dos sistemas Empresas.NET ou Fundos.NET, sem necessidade de taxas ou custos adicionais. Essa possibilidade foi autorizada pela Resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nº 166, de 1 de setembro de 2022.
Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também está atenta a essa questão e vem discutindo maneiras de modernizar as obrigações de divulgação de informações pelas companhias abertas, incluindo a possibilidade de utilização de meios eletrônicos de comunicação. A CVM também editou o Parecer de Orientação nº 39, de 20 de dezembro de 2021, explicitando os procedimentos a serem observados por companhias quanto ao teor resumido das publicações financeiras, notas explicativas, relatório dos auditores independentes, parecer do conselho fiscal (caso instalado), entre outros documentos.
Apesar das mudanças e flexibilizações introduzidas na Lei das Sociedades Anônimas para as publicações societárias, como a dispensa de publicação em órgão oficial do Estado ou da União e a possibilidade de utilização do SPED para Sociedades Anônimas de determinado porte, as Sociedades Limitadas, que são regidas pelo Código Civil, não foram contempladas com benefícios semelhantes. Não há menção à possibilidade de realizar publicações eletrônicas para essas sociedades, o que limita a modernização das práticas de divulgação.
É importante ressaltar que o Código Civil não trata especificamente das publicações de demonstrações financeiras, o que indica que as Sociedades Limitadas não têm obrigação legal de publicá-las. No entanto, em relação aos demais atos societários que exigem publicação, como a ata que delibera a redução de capital social, a publicação em diário oficial e jornal de grande circulação do local da sede continua sendo obrigatória e em formato impresso.
Essa diferença de tratamento destaca a necessidade de uma revisão mais ampla da legislação relacionada às sociedades empresariais, buscando maior alinhamento com os avanços tecnológicos e práticas modernas de divulgação de informações, e merece um questionamento em relação à sustentabilidade e eficácia nos dias de hoje, em especial considerando os aspectos econômicos, ambientais e sociais envolvidos:
• Aspecto econômico: a publicação de atos societários em jornais físicos gera custos para as empresas, que podem ser elevados dependendo da quantidade e da complexidade dos documentos. Esses custos podem ser considerados desnecessários ou excessivos, especialmente se comparados com as alternativas digitais de divulgação, que são mais baratas, rápidas e eficientes. Além disso, a publicação em jornais físicos pode não atingir o público-alvo das informações, que pode preferir acessar os dados por meio de plataformas online ou aplicativos. Portanto, do ponto de vista econômico, a publicação em jornais físicos pode ser vista como uma prática ineficiente e onerosa para as empresas;
• Aspecto ambiental: a publicação de atos societários em jornais físicos implica no consumo de papel e tinta, que geram impactos ambientais na sua produção e distribuição, principalmente se houver o descarte inadequado, poluindo o meio ambiente. Assim, a publicação em jornais físicos pode ser vista como uma forma insustentável e prejudicial ao meio ambiente. Com o avanço da tecnologia e a popularização da internet, a publicação em jornais físicos é uma forma ineficiente e obsoleta de divulgar informações. As plataformas digitais se tornaram uma opção mais acessível, econômica e ecologicamente sustentável para a publicação de informações financeiras, além de permitir a sua disseminação para um público muito maior;
• Aspecto ético: a publicação de atos societários visa garantir o princípio da publicidade dos atos societários, que é um dos pilares da governança corporativa e faz parte do conceito de ESG. A princípio, a publicação em jornais físicos poderia ser vista como uma forma de cumprir com as obrigações legais e morais da empresa. No entanto, é preciso questionar se essa é a única forma ou a melhor forma de garantir esse valor, considerando as alternativas existentes e as mudanças sociais e tecnológicas que ocorrem atualmente.
Diante desses aspectos econômicos, ambientais e éticos, para que as empresas possam conciliar as obrigações legais com as práticas sustentáveis, é necessária uma mudança de cultura empresarial e na legislação. Essa mudança deve incluir: a conscientização sobre os impactos das suas ações sobre o meio ambiente e a sociedade; a disposição para adotar práticas mais responsáveis e comprometidas com a sustentabilidade; a modernização e a adequação das práticas de publicação, buscando um ambiente de negócios mais alinhado com as demandas atuais e o desenvolvimento sustentável; e o mais importante, a flexibilização das obrigações legais em jornais impressos.
As empresas comprometidas com o discurso ESG desempenham um papel fundamental na pressão por mudanças na legislação, visando à adequação e atualização das práticas de publicações societárias. Essas empresas, que já adotam o discurso ESG, poderiam usar sua influência e reputação para defender seus interesses e valores junto aos órgãos competentes e à sociedade. Essa pressão poderia contribuir para a modernização das práticas de divulgação dos atos societários, visando a redução de custos, impactos ambientais e aumento da transparência das informações.
Alguns exemplos de empresas que permanecem obrigadas a realizar publicações em jornais impressos, conforme legislação aplicável, e possuem discursos de sustentabilidade e práticas ESG, são:
(a) Eletrobras – a empresa tem adotado diversas medidas para promover a sustentabilidade e a transição para uma matriz energética mais limpa, como a construção de usinas eólicas e solares;
(b) Braskem – a empresa é uma das maiores produtoras de resinas termoplásticas do mundo e tem adotado diversas medidas para minimizar seus impactos ambientais, como a adoção de tecnologias mais limpas e a reciclagem de resíduos;
(c) Natura – a empresa de cosméticos é conhecida por seu compromisso com a sustentabilidade, tendo adotado diversas medidas para minimizar seus impactos ambientais e sociais ao longo de toda a cadeia produtiva;
(d) Cemig – a empresa de energia elétrica tem adotado diversas medidas para promover a sustentabilidade e a transição para uma matriz energética mais limpa, como o investimento em fontes de energia renovável e a adoção de práticas mais sustentáveis em suas operações.
Essas empresas, aqui citadas nominalmente como simples exemplos que são – e tantas outras que também são adeptas das práticas ESG – podem desempenhar um papel importante ao demonstrar o impacto positivo das práticas sustentáveis nos resultados financeiros e no engajamento dos stakeholders. Ao compartilhar suas experiências e promover a conscientização, elas podem influenciar a discussão sobre a modernização das práticas de divulgação de seus atos societários e a adoção de soluções mais alinhadas com os princípios ESG, bem como pressionar por mudanças na legislação, defendendo seus interesses e valores, e contribuindo para um ambiente de negócios mais sustentável e eficiente.
É importante destacar que a atualização da legislação não deve comprometer a segurança e a proteção dos direitos dos sócios, acionistas e demais partes interessadas. É necessário estabelecer mecanismos que garantam a autenticidade, integridade e disponibilidade das informações divulgadas eletronicamente, de forma a assegurar a confiabilidade do sistema, na mesma medida que o aspecto ambiental fique resguardado.
O desafio das publicações societárias no contexto do ESG evidencia a necessidade de revisão da legislação brasileira. É fundamental que as empresas possam cumprir suas obrigações legais de forma compatível com as práticas sustentáveis e eficientes, permitindo o acesso amplo e democrático às informações societárias. A modernização das práticas de publicação, por meio de alternativas eletrônicas, pode contribuir para alcançar esse equilíbrio entre transparência e sustentabilidade corporativa, promovendo um ambiente mais adequado às demandas atuais das empresas e da sociedade.
Não faz nenhum sentido continuarmos a gastar rios de tinta e toneladas de papel para publicar informações que com maior eficiência deveriam estar acessíveis on line, inclusive para consulta a qualquer tempo.
[1] A sigla é definida da seguinte forma: (a) a dimensão ambiental (Environmental) trata dos impactos da empresa no meio ambiente, suas políticas e práticas de sustentabilidade e gestão de recursos naturais; (b) a dimensão social (Social) abrange os aspectos relacionados ao impacto da empresa na sociedade, incluindo a relação com seus funcionários, clientes e comunidade, bem como suas práticas de diversidade e inclusão; e, (c) a dimensão de governança (Governance) se refere às práticas de governança corporativa da empresa, incluindo a estrutura de governança, a transparência, a ética e a prestação de contas.
[2] Art. 294. A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) poderá: III – realizar as publicações ordenadas por essa Lei de forma eletrônica, em exceção ao disposto no art. 289 desta Lei.
24 outubro, 2023
12 junho, 2023
03 maio, 2023
27 setembro, 2022
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