A aprovação do texto final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Reforma Tributária tem gerado debates entre especialistas com o objetivo de avaliar se estamos caminhando para um cenário mais favorável do que o atual.
A PEC da Reforma Tributária, sem dúvida, traz mudanças significativas para o sistema tributário brasileiro, ao prever a extinção de 3 impostos (ISS, ICMS e IPI) e 4 contribuições sociais (PIS/PIS-Importação e Cofins/Cofins-Importação), que serão substituídos por apenas 3 novos tributos: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS).
O IBS e a CBS, sendo os tributos mais relevantes criados pela Reforma Tributária, terão uma base de incidência ampla, compreendendo operações com bens materiais e imateriais, incluindo bens e serviços.
Quanto à alíquota do IBS e da CBS, ela ainda não foi definida e será estabelecida por meio de Lei Complementar. No entanto, já há especulações a esse respeito: o secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, estima que a soma das alíquotas do IBS e da CBS será de 25% [1] , enquanto um estudo do Ipea calcula que as alíquotas somadas poderão chegar a 28,8% [2]. Os mais pessimistas falam em mais de 30%, a depender da quantidade de exceções que podem ser beneficiadas com alíquotas reduzidas.
As estimativas das alíquotas totais a serem aplicadas com a Reforma já causam espanto para o setor de serviços, pois a maioria dos prestadores de serviços pode sair de uma carga de cerca de 8% (entre PIS e Cofins no regime cumulativo e ISS) para em torno de 30% (estimativa para a soma do IBS e CBS).
A diferença entre as alíquotas atuais e as previstas pela PEC será ainda maior para os prestadores de serviços enquadrados no regime de sociedades uniprofissionais, em que o ISS é cobrado com base em um valor fixo, independentemente do faturamento efetivo, como é o caso de escritórios de contabilidade e advocacia e consultórios médicos.
O argumento comumente utilizado para defender a ampliação da base tributável e a aplicação de uma alíquota mais elevada é a promessa de que os contribuintes poderão tomar créditos dos tributos pagos na aquisição de bens, direitos ou serviços, os quais poderão ser compensados com os tributos apurados e devidos pelos contribuintes. As únicas exceções previstas pelo texto da PEC da Reforma são aquisições de bens para “uso ou consumo pessoal”, regimes específicos de tributação, isenções ou imunidades.
Entretanto, assim como a fixação da alíquota dos novos tributos, a regulamentação da sistemática de creditamento também ficará a cargo da Lei Complementar. Essa é a primeira grande questão que precisamos reconhecer e enfrentar: a promessa do crédito amplo já foi feita diversas vezes pelos legisladores, mas sempre foi descumprida quando da edição de leis e das interpretações das autoridades fiscais, que tendem a restringir de forma drástica os direitos dos contribuintes ao amplo creditamento.
Isso ocorreu quando o ICM virou ICMS, época em que se prometia o aproveitamento de créditos de bens de consumo (o que até hoje não se concretizou) e de bens destinados ao ativo fixo (que precisam ser parcelados em 48 meses), e com o PIS e a Cofins na sistemática não cumulativa, que pretendia garantir créditos na aquisição de “insumos”, mas acabou gerando uma discussão interminável sobre o que pode ser considerado “insumo” para fins de formação de créditos.
Dessa forma, considerando que o texto da PEC deixa para a Lei Complementar a regulamentação e definição das regras do creditamento, há o risco de cometermos o mesmo erro que já temos cometido, e que a promessa do crédito amplo seja novamente descumprida pelo legislador infraconstitucional, o qual poderá ampliar o conceito de “bens de uso ou consumo pessoal”, que não dão direito a crédito, e assim maximizar a arrecadação.
Nesse aspecto, torna-se ainda mais claro o potencial de a Reforma Tributária elevar excessivamente a carga tributária para o setor de serviços, pois, ao contrário das indústrias e comércios, as empresas prestadoras de serviços fazem uso menos intensivo de insumos para realizar suas atividades-fim.
O maior gasto de uma empresa que presta serviços geralmente é com sua mão de obra, e, pelo texto atual da PEC da Reforma, não é possível a formação de crédito na aquisição de mão de obra. Portanto, a formação de créditos para as empresas que prestam serviços se torna significativamente menor quando comparada às comerciais e industriais.
Em termos práticos, é importante mencionar um estudo elaborado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que compara a tributação de empresas do setor de serviço pelo PIS e a COFINS cumulativo com a tributação pela CBS com uma alíquota 12%. A conclusão do órgão é de que a majoração da carga do setor de serviços poderá variar de 11,24% a até 188,5%, dependendo do grau de relação entre a necessidade de aquisição de insumos e a geração de receitas [3].
Atualmente, as empresas prestadoras de serviço são as que mais geram empregos na economia nacional, e elas vêm exercendo um papel de grande relevância na geração de riqueza no Brasil. Portanto, esse possível aumento da carga tributária para o setor de serviços poderá gerar a diminuição do potencial de geração de empregos por empresas do ramo, o aumento do custo dos serviços para o consumidor final e poderá incentivar uma onda de planejamentos tributários.
Ainda há a possibilidade de melhorar o desenho da Reforma Tributária e corrigir as distorções apontadas pelos estudos da CNC de formas simples, antes da promulgação da Emenda Constitucional. As sugestões que o órgão faz para tanto são concisas, mas certeiras [4].
Será preciso adotar alíquotas diferenciadas não apenas para setores específicos, como previsto no texto aprovado pela Câmara dos Deputados no início de julho, mas para todo o setor de serviços. Além disso, é necessário que o texto da Emenda Constitucional garanta expressamente a possibilidade de amplo creditamento, para evitar que isso seja restringido quando da regulamentação da sistemática pela legislação complementar.
É inegável que uma Reforma Tributária é necessária para a sociedade brasileira como um todo, tanto do ponto de vista do consumidor quanto do ponto de vista dos setores produtivos da economia nacional. A prioridade atual do nosso país deve sim ser a aprovação de uma Reforma Tributária. No entanto, para que essa Reforma seja bem-sucedida, precisamos evitar cometer os mesmos erros que temos cometido desde a promulgação da Constituição de 1988, e garantir que as mudanças sejam justas, amplas e eficazes.
[1] JÉSSICA SANT’ANNA (Brasília). Valor Econômico (ed.). Alíquota do IVA deve ficar em torno de 25%, afirma Appy. Notícia publicada em 18/07/2023. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/07/18/alquota-do-iva-deve-ficar-em-torno-de-25-pontos-percentuais-afirma-appy.ghtml.
[2] OLIVEIRA, João Maria de (ed.). Propostas de reforma tributária e seus impactos: uma avaliação comparativa. 2023. Carta de Conjuntura – Nº 60 – Nota de Conjuntura nº 1 – 3º Trimestre de 2023. Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 2023. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/2023/07/propostas-de-reforma-tributaria-e-seus-impactos-uma-avaliacao-comparativa/.
[3] Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). MAJORAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO NOS SERVIÇOS PODERÁ CHEGAR A 188%: intensivo em mão de obra, setor teria capacidade limitada de abater do IVA gastos com insumos. 2023. Disponível em: https://reformatributaria.cnc.org.br/wp-content/uploads/sites/23/2023/03/Pesquisa-CNC_Reforma_Tributaria_Servicos.pdf.
[4] Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Análise da CNC do Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária. 2023. Disponível em:https://reformatributaria.cnc.org.br/wp-content/uploads/sites/23/2023/06/analise-cnc-junho2023.pdf.
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