Responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais

22/08/2023

Por Daniela de Sousa Franco Coimbra

A Constituição Federal de 1988 prevê a tríplice responsabilização em matéria ambiental. Com isso, a pessoa física ou jurídica que causa dano ao meio ambiente poderá ser punida, de forma independente, em três esferas distintas: cível, administrativa e criminal (art. 225, § 3º).

Ou seja, uma única conduta lesiva ao meio ambiente poderá levar o infrator a ter que reparar o dano e pagar uma indenização (esfera cível), além de receber uma multa imposta pelo órgão ambiental competente (esfera administrativa) e responder por crime ambiental (esfera penal).

Em que pese a indiscutível relevância do meio ambiente, com bem coloca Luiz Regis Prado [1], o emprego excessivo da sanção criminal não garante maior proteção aos bens; ao contrário, condena o sistema penal a uma função simbólica e negativa. Daí surge a necessidade de se discutir a responsabilidade criminal da pessoa jurídica por crimes ambientais.

Ao prever a possibilidade de a pessoa jurídica ser responsabilizada por crime ambiental, o legislador constitucional inovou de forma significativa o ordenamento jurídico. Com efeito, a teoria do direito penal foi toda desenvolvida para incidir sobre a conduta humana, o que faz com que surjam uma série de incompatibilidades entre esse novo comando constitucional e a sistemática do direito penal.

Fato é que os princípios constitucionais penais, entre eles o da culpabilidade e da personalidade das penas, estão intrinsecamente relacionados às ações humanas.

Na condição de ente fictício, a pessoa jurídica não é dotada de consciência de sua ilicitude, tampouco pode ser alcançada pelo escopo da pena, de reeducar o seu infrator [2].

O dispositivo constitucional em comento foi normatizado pela Lei nº 6.905/98 (Lei de Crimes Ambientais), que em seu artigo 3º estabelece:

“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

 

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.”

Infere-se do texto acima que o legislador vinculou a responsabilização da pessoa jurídica à conduta de uma pessoa física que a represente, de forma indissociável. Tanto assim que estabeleceu como requisitos para que a pessoa jurídica possa ser sujeito ativo da relação processual penal, que a infração tenha sido cometida por decisão de quem a represente e em benefício da pessoa jurídica.

Tal questão, contudo, tem sido objeto de interpretações divergentes ao longo dos anos. O ponto nodal da discussão diz com a obrigatoriedade, ou não, de persecução conjunta da pessoa física, para que a pessoa jurídica possa ser responsabilizada por crime ambiental. Nos primeiros 15 anos de vigência da lei prevaleceu a necessidade da dupla imputação, entendimento que decorre da literal interpretação do artigo em comento.

Após o julgamento do RE 548.181 [3] pelo Supremo Tribunal Federal, de relatoria da Ministra Rosa Weber, consolidou-se o entendimento segundo o qual a responsabilização da pessoa jurídica por crimes ambientais independe da responsabilização concomitante da pessoa física que a represente.

Diante dessa mudança de posicionamento, emergem duas questões relevantes. A primeira delas diz com a obrigatoriedade de o Ministério Público descrever, na denúncia, a conduta da pessoa física que realizou a ação, ainda que a ação seja proposta apenas em desfavor da pessoa jurídica. A necessidade de identificação dos agentes e setores envolvidos no ilícito ambiental constou expressa no referido julgado.

Ademais, é preciso frisar que se trata de um precedente sem eficácia vinculante. Tanto assim, que em recente julgado, o E. Tribunal Federal da Terceira Região concedeu a segurança pleiteada em mandado de segurança, para determinar o trancamento da ação penal com relação a uma empresa denunciada por crime ambiental, por considerar inepta a inicial ante a ausência da descrição pormenorizada dos atos praticados pelos seus representantes:

“PENAL. PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 54, § 2º, II e V, LEI Nº 9605/1998. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. DUPLA IMPUTAÇÃO. PESSOA JURÍDICA E PESSOA FÍSICA. NECESSIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA INEPTA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

 

1. O trancamento da ação penal na via estreita do mandado de segurança somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

 

2. A responsabilização criminal da pessoa jurídica por crime ambiental só será possível mediante o preenchimento dos requisitos estabelecidos pelo art. 3º da LCA, com descrição pormenorizadas dos atos praticados pelos representantes legais, contratuais ou órgãos colegiados no interesse da sociedade.

 

3. Segurança concedida para trancamento do processo-crime.”

 

Convém anotar que o mandado de segurança é o instrumento utilizado para a garantia dos direitos da pessoa jurídica contra o arbítrio estatal. Em casos tais, “o ‘Mandado de Segurança’ faz as vezes, para a pessoa jurídica, de ‘Habeas Corpus’ para a pessoa natural” [4] .

Nesse ponto, convém anotar que o mandado de segurança é o instrumento utilizado para garantia dos direitos da pessoa jurídica contra o arbítrio estatal. Ou seja, “o ‘Mandado de Segurança’ faz as vezes, para a pessoa jurídica, de ‘Habeas Corpus’ para a pessoa natural” [5].

Embora a questão nem de longe possa ser considerada pacificada, não se pode, a pretexto de se proteger o meio ambiente, desconstruir os alicerces do direito penal, para, a qualquer custo, imputar responsabilidade penal às pessoas jurídicas.

 

[1] Direito Penal do Ambienta. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

[2] Direito Penal Ambiental. Paulo Murilo Galvão. São Paulo: Muzuno, 2023.

[3] RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, Acórdão Eletrônico. Dje-213. Publicado em 30/10/2014.

[4] TJSP; Mandado de Segurança Criminal 2051841-15.2014.8.26.0000; Relator(a): Airton Vieira; Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal Extraordinária; Data da Decisão: 06/10/2014; Data de Publicação: 15/10/2014).

[5] TJSP; Mandado de Segurança Criminal 2051841-15.2014.8.26.0000; Relator(a): Airton Vieira; Órgão Julgador: 1ª Câmara Criminal Extraordinária; Data da Decisão: 06/10/2014; Data de Publicação: 15/10/2014).

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