A Medida Provisória 1.184 trouxe mudanças importantes nas regras de tributação dos fundos de investimento, particularmente a extensão do mecanismo de tributação periódica do imposto sobre a renda, conhecido como “come-cotas”, aos fundos fechados. Falaremos dessas mudanças em outros artigos, mas a mais impactante delas é a disposição que prevê a tributação dos rendimentos anteriores, impropriamente chamada tributação do “estoque”.
A MP em comento determinou a tributação dos rendimentos acumulados até 31 de dezembro de 2023 para os fundos fechados, à alíquota de 15%. Essa tributação dos lucros acumulados dos fundos está prevista no artigo 11 da MP. O embate em torno dessa medida decorre de sua clara inconstitucionalidade, argumento sustentado pelo inafastável princípio constitucional da irretroatividade tributária (Constituição Federal, artigo 150, III, “a”).
O dispositivo constitucional que proíbe a cobrança de tributos sobre fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os instituiu – exatamente o que faz a MP 1.184 –, é de clareza solar:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”
O governo federal não pode retroagir para tributar, nem mesmo sob o pálio de cobrir o déficit das contas públicas. Isso é claramente antijurídico!
Fatos geradores ocorridos antes da promulgação de uma lei não podem, por clara e expressa determinação constitucional, estar sujeitos às suas implicações. Apenas fatos ocorridos após a entrada em vigor da lei podem constituir fato gerador de uma obrigação tributária.
É inegável que o artigo 11 da MP impõe tributação sobre eventos passados, contrariando, afrontosamente, o princípio constitucional da irretroatividade tributária!
Os lucros acumulados até 31 de dezembro de 2023 constituem o produto de uma série de atos jurídicos realizados pelos fundos ao longo de sua existência, antes da norma em questão.
É juridicamente indiscutível que a tributação dos fundos fechados somente poderá ocorrer sobre rendimentos gerados após a entrada em vigor da MP, marcada para 1º de janeiro de 2024. Será tarefa do Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da tributação dos lucros acumulados, isto é, anteriores, dos fundos.
Se a MP não for alterada, é inevitável que essa questão seja levada aos Tribunais.
Segundo entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do tema, é de se esperar que o Poder Judiciário garanta o direito dos fundos contra esse absurdo avanço estatal sobre o patrimônio dos cotistas:
“Quanto a incompatibilidade do § único do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 com os princípios da irretroatividade e da anterioridade, insculpidos no art. 150, III, “a” e “b”, da Constituição Federal, tem razão a autora. (…) não pode a legislação posterior atingi-los sem ofensa ao princípio da anterioridade, que é expresso ao vedar a exigência de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado” (art. 150, III, “a”, da CF/88).” (STF; ADI 2588; Relator(a): Ellen Gracie; Tribunal Pleno; Data da Decisão: 10/04/2013)
“Vale dizer, o legislador não pode instituir contribuição em relação a fatos ocorridos antes da lei. O art. 150, III, “a”, repete a norma inscrita no artigo 5º, XXXVI, da mesma Constituição. (…) É que o lucro, apurado no dia 31 de dezembro, é o resultado de diversos negócios jurídicos realizados durante o exercício, 1º de janeiro a 31 de dezembro. A incidência é sobre esse lucro, que é o saldo positivo de entradas e de saídas, de fatos ocorridos durante o exercício. O artigo 8º, da Lei 7.689, de 15.12.88, estaria, pois, a incidir sobre fatos já ocorridos, dado que, não custa repetir, o lucro traduz, apenas, o resultado desses fatos. (…) Ora se a Lei 7.689, de 1988, somente teve eficácia a partir de março de 1989, não poderia incidir sobre fatos ocorridos em 1988. É o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal na citada Rep. 1.451, Relator o Ministro Moreira Alves.” (STF, RE 138284, Relator(a): Carlos Velloso; Tribunal Pleno; Data da Decisão: 01/07/1992)
O desenrolar dessa questão será decisivo para confirmar o respeito ao princípio da irretroatividade tributária. Nesse caso, não acreditamos em julgamento político. Estamos seguros de que o judiciário prestigiará o Direito nessa questão.
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