O emoji de “polegar para cima” é tão válido quanto uma assinatura?

20/10/2023

Por Patricia Costa Agi Couto

Recentemente, foi noticiado que um juiz canadense, ao julgar uma ação envolvendo uma disputa comercial, decidiu que o emoji de “polegar para cima”, em resposta a um contrato encaminhado por WhatsApp, equivaleria a uma assinatura. Na decisão, o juiz ressaltou que os tribunais precisam se adaptar à nova realidade de comunicação e condenou um fazendeiro a pagar cerca de R$ 300 mil devido ao contrato não cumprido.

Isso levanta uma questão interessante: no direito brasileiro, a interpretação seria a mesma? Seria possível que um simples “joinha” pudesse substituir a assinatura em um contrato? A resposta parece ser afirmativa, com algumas ponderações.

Inicialmente, é importante ressaltar que o juiz no caso canadense levou em consideração o contexto específico da situação. Os envolvidos já mantinham um relacionamento comercial de longa data e estavam acostumados a fazer ajustes via WhatsApp, simplesmente respondendo “ok” ou “de acordo” a propostas. Nesse sentido, as particularidades de cada caso são cruciais para determinar se uma contratação desse tipo é válida ou não.

Sob uma perspectiva legal, existem requisitos de validade de um contrato: partes capazes, objeto lícito, possível e determinado (ou determinável) e forma prescrita ou não defesa em lei. Nesse último requisito, a legislação não veda contratos verbais e considera válidas as propostas feitas por telefone ou “meio de comunicação semelhante”, o que inclui o WhatsApp. Portanto, não há proibição à contratação por meio desse aplicativo de mensagens.

Os contratos têm por princípio basilar a boa-fé, conforme o disposto no art. 421 do Código Civil. Nas palavras da jurista Maria Helena Diniz, “a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de caráter), proibindo o comportamento contraditório, impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente”. [1]

Portanto, se a comunicação eletrônica, incluindo emojis, é habitual entre as partes, questionar uma contratação manifestada dessa maneira pode ser interpretado como violação ao princípio da boa-fé contratual.

Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) validou o uso do WhatsApp para intimações e citações, reforçando que essa ferramenta é um meio de comunicação válido.

Embora nossos tribunais ainda não tenham enfrentado a questão dos emojis em contratos, as contratações via WhatsApp têm sido reconhecidas como válidas há algum tempo.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, validou negociações feitas por aplicativos de mensagens, destacando que a interpretação dos contratos deve levar em conta a evolução tecnológica: “a interpretação dos contratos deve ser regida pelo princípio da boa-fé e não pode desconsiderar a evolução tecnológica. Velocidades das negociações que culminaram em contratos firmados por telefone, e-mail e, mais recentemente por aplicativos de mensagens”. [2]

No caso julgado, uma empresa buscava a restituição de valores retidos por um advogado que havia contratado. Ficou comprovado que a autorização para a retenção desses valores foi concedida por meio do WhatsApp. O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou válida essa negociação realizada pelo aplicativo de mensagens e julgou improcedente o pedido de devolução.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal também reconheceu a validade da rescisão de um contrato comunicada por mensagem [3]. A decisão levou em consideração o fato de que as partes envolvidas usualmente se comunicavam por esse meio e reconheceu a evolução tecnológica nos meios de comunicação. A rescisão do contrato foi declarada a partir do momento em que a mensagem nesse sentido foi enviada.

Em conclusão, as manifestações expressas por meio de emojis no WhatsApp devem ser tratadas com seriedade, especialmente entre partes que têm o hábito de se comunicar dessa maneira. O cenário legal está evoluindo para acomodar essa nova forma de contratação, e a boa-fé e o contexto específico continuarão a desempenhar um papel crucial na interpretação e validação desses contratos.

[1]  Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 17ed. São Paulo: Saraiva, 2014 pág 418.

[2] Processo nº 1112009-49.2018.8.26.0100.

[3] Processo nº 0715185-61.2016.8.07.0016.

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