O CNJ (Conselho Nacional de Justiça), instituição pública cuja função é fazer o controle de atuação de todo o Poder Judiciário, periodicamente se dedica a criar e aperfeiçoar as ferramentas postas a serviço do sistema judiciário, para a solução de conflitos, de modo a torná-las mais eficientes na busca de resultados exitosos às demandas.
De acordo com dados divulgados pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, os processos em fase de execução correspondiam, em meados de 2022, quando da criação do Sniper, a aproximadamente 58% de todo o acervo dos Tribunais do País – com cerca de 40 milhões de processo –, e tinham uma média de duração de quatro a cinco anos, isto é, tempo três vezes maior de tramitação que o tempo de um processo em fase de conhecimento.
Esse gargalo do Judiciário se justifica, em grande medida, pela dificuldade que os credores enfrentam na localização de patrimônio de seus devedores (veículos, imóveis, ativos financeiros, direitos em geral) que possam ser penhorados e expropriados para satisfação da obrigação, o que, de seu turno, é resultado de blindagens – chamadas manobras fraudulentas – criadas pelos próprios devedores, para se furtarem das ordens judiciais de bloqueio de bens.
Na esteira de outras ferramentas – como Sisbajud, Renajud e Arisp [1] –, o Sniper (Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos) foi criado pelo CNJ com o objetivo de mapear possíveis manobras fraudulentas dos devedores em processos de execução. A intenção era, por meio de inteligência artificial, reunir informações cruzadas entre os devedores e pessoas de seu relacionamento, físicas e/ou jurídicas, provavelmente estranhas ao processo judicial, que eventualmente pudessem revelar a existência de fraudes, como participações societárias ocultas (chamadas sociedades de fato), grupos econômicos fraudulentos ou sucessão empresarial irregular, com desvio patrimonial.
Acontece, no entanto, que os sistemas integrados ao Sniper, tais como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Controladoria Geral da União (CGU), a Agência Nacional de Aviação (Anac), além do próprio banco de dados do CNJ, se revelaram insubsistentes e, na prática, não apresentam informações relevantes que norteiem o caminho do credor na busca por bens e direitos que possam ser usados para a satisfação da dívida.
Tanto é verdade que parte dos próprios magistrados que presidem processos executivos tem rejeitado o pedido de aplicação da medida, justamente sob o fundamento de ser ineficaz na busca por solução do feito. Dois exemplos disso podem ser observados em decisões judiciais de diferentes Estados.
O primeiro do Judiciário do Estado de Minas Gerais, que decidiu que:
“Havendo eventual requerimento de pesquisa no sistema SNIPER, cumpre fazer alguns esclarecimentos iniciais. O novo sistema conveniado desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não se presta a realizar atos constritivos, tampouco pesquisa, de forma objetiva, de bens passíveis de penhora. Com efeito, a ferramenta SNIPER apenas permite o cruzamento de informações contidas em bases de dados diferentes, destacando os vínculos existentes entre pessoas físicas e jurídicas por meio de representações de relações entre objetos (grafos), que, em tese, seriam dificilmente perceptíveis por uma simples análise documental. Ressalta-se que muitas das informações fornecidas pela referida ferramenta não são sigilosos e podem ser obtidos de fontes públicas, pelas próprias partes interessadas. Nesse contexto, o deferimento da pesquisa no sistema SNIPER depende tanto de uma justificativa da parte requerente, que demonstre minimamente a utilidade da realização do ato, quanto do exaurimento de atos constritivos simples, tais como SISBAJUD, RENAJUD, mandado de penhora, entre outros. Isso porque, repita-se, a ferramenta SNIPER não realiza atos constritivos, mas apenas demonstra, de forma visual, vínculos exBianca Moreira da Silvaistentes entre a parte devedora e terceiros.”
O segundo do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, no mesmo sentido:
“O sistema SNIPER tem um banco de dados bastante limitado (…) Sobre esse ponto do sistema, necessário ponderar que, se a parte devedora representa uma pessoa física, os bens não são de sua propriedade, não podendo, a princípio, serem objeto de medidas constritivas, sendo que, para a realização da pesquisa, é necessário o mínimo de prova da existência de desvio de patrimônio, situação que não é a dos autos. Por outro lado, se a parte devedora é sócia, administradora ou diretora de pessoa jurídica, os dados podem ser obtidos em base de dados pública. Nessa linha de raciocínio, tenho que a consulta pela plataforma do SNIPER, de qualquer modo, não se mostrará efetiva para a localização de bens em nome da parte devedora, considerando que, até o momento, a consulta é restrita, e os dados a serem disponibilizados não contribuirão de forma efetiva para a satisfação do débito (…). Em suma, as informações do referido sistema, neste momento inicial, se mostram limitadas e sem uma efetividade prática para o que se pretende, que é a satisfação do crédito.”
E o entendimento vem sendo confirmado pelos Tribunais, como demonstram as duas decisões a seguir, proferida em sede recursal pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
“(…) a diligência não revela potencial de atingir o objetivo pretendido, que é a existência de bens em nome do devedor, porquanto a integração de sistemas restringe-se, por ora, à Receita Federal, TSE, CGU, ANAC, CNJ e Tribunal Marítimo. Ressalte-se que, para o deferimento da medida o magistrado deve avaliar a viabilidade e utilidade à satisfação da dívida, o que não é o caso, especialmente porque já estão disponíveis as consultas aos sistemas informativos de bens – SISBAJUD, INFOJUD, RENAJUD e e-RIDF (…)”.
“Ocorre que tal ferramenta ainda não foi alimentada em sua plenitude, e os dados de sua base, pelo menos na presente data, não são mais abrangentes do que aqueles contidos nas pesquisas já realizadas nestes autos. Isso porque constam do Sniper, por ora, apenas informações colhidas da Secretaria da Receita Federal (dados não patrimoniais de pessoas naturais, jurídicas e sócios destas últimas), Tribunal Superior Eleitoral (candidaturas, bens declarados e sanções a partir de 2014), Portal da Transparência (Governo Federal), ANAC (propriedade e operações de aeronaves) e Tribunal Marítimo (proprietários e afretadores de embarcações). Portanto, os dados abertos podem ser consultados sem autorização judicial e os fechados, conforme dito, já foram objeto de pesquisa por este Juízo. Por fim, em processos cíveis, nos quais não se determina a quebra de sigilo bancário (LC 105/2001, art. 1º, §4º), a finalidade colimada pelo credor já é tangível mediante as demais pesquisas de bens, que estão a evidenciar a ausência de patrimônio passível de ser excutido”.
Em outras palavras, a pesquisa Sniper não atingiu as expectativas de contribuir positivamente para o processo executivo, uma vez que não possibilita a efetiva localização e bloqueio de bens, como no caso dos demais sistemas disponíveis (Sisbajud, Renajud e Arisp, por exemplo).
Mesmo passado um ano de sua implementação, a ferramenta continua se mostrando ineficaz, porque não consegue reunir informações relevantes, que possam auxiliar o credor na busca de patrimônio penhorável.
Em síntese, quando o assunto é recuperação de crédito envolvendo devedores contumazes, useiros e vezeiros nas artimanhas de se esquivarem dos atos de constrição judicial, por melhores que sejam as ferramentas tecnológicas colocadas à disposição da parte e do Judiciário, a inteligência humana – leia-se: a atuação de bons profissionais –, com expertise no assunto, continua sendo o instrumento mais importante para se desnudarem as práticas fraudulentas de blindagem e ocultação patrimonial.
[1] Criadas para consulta e bloqueio de movimentações financeiras, veículos/automóveis e imóveis, respectivamente.
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