TJRJ julga questão sobre a “essencialidade” de bens de empresa em recuperação judicial e sua consequência para o credor fiduciário

15/03/2024

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz

No julgamento de um recurso interposto por um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) representado pelo Teixeira Fortes, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reafirmou, recentemente, que a essencialidade de determinado bem de capital para a manutenção das atividades de uma empresa deve ser detidamente comprovada e que, independentemente de tal comprovação, o crédito garantido pela alienação fiduciária do referido bem continua não se sujeitando à recuperação judicial da devedora. Confira aqui a íntegra da decisão.

No caso em questão, a empresa havia incluído o crédito do FIDC na lista de credores concursais e, na fase de verificações, o Administrador Judicial manteve a classificação quirografária do crédito. Contudo, o FIDC instaurou incidente de impugnação argumentando que a Lei nº 11.101/2005 prevê expressamente que os créditos garantidos por alienação fiduciária não se sujeitam à recuperação judicial e que o art. 49, § 3º, não faz qualquer ressalva em sentido contrário.

Intimada a se manifestar, a empresa devedora não apresentou oposição à exclusão do crédito do FIDC da lista de credores sujeitos. Contudo, o Administrador Judicial opinou pela manutenção do crédito na classe quirografária, sustentando que a retomada, pelo credor, dos bens alienados fiduciariamente em garantia (seis caminhões utilizados para transporte de cargas) afetaria as atividades da empresa, criando obstáculos para seu soerguimento. O juiz de primeira instância acolheu o parecer do Administrador Judicial e manteve o crédito no rol de credores submetidos à recuperação judicial.

No recurso interposto contra a decisão, o FIDC representado pelo Teixeira Fortes demonstrou que jamais foi comprovada a suposta essencialidade dos bens objeto da garantia e argumentou que, mesmo que fosse constatado que os veículos são indispensáveis para o exercício das atividades empresariais da devedora, tal condição não afetaria a natureza extraconcursal do crédito, pois não há qualquer previsão na Lei de Recuperação Judicial nesse sentido.

Ao dar provimento ao recurso interposto pelo FIDC, os desembargadores da 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, acompanhando o irretocável voto do relator Werson Rêgo, cuidaram de esclarecer que eventual constatação da essencialidade de determinados bens para as atividades empresariais não altera a natureza extraconcursal do respectivo crédito fiduciário, pois o único efeito da declaração de essencialidade é a proibição temporária da retirada dos bens do estabelecimento da empresa, que vigora apenas durante o estágio de suspensão das execuções movidas contra a devedora (stay period).

Os julgadores ainda explicaram que, embora a empresa no caso concreto atue no ramo alimentício de produção de carne de charque e jerked beef, não houve a efetiva comprovação de que os caminhões alienados fiduciariamente ao FIDC são essenciais para o desenvolvimento de suas atividades, o que poderia ter sido demonstrado por meio de documentos contábeis que evidenciassem o impacto do uso desses bens na receita da empresa, o efeito concreto de sua retirada pelo credor ao processo de recuperação judicial e a falta de disponibilidade de outros veículos aptos a substituir aqueles objeto da garantia fiduciária.

Por fim, os desembargadores observaram que o princípio da preservação da empresa não pode ser utilizado como justificativa legal pelo mau pagador e que a exceção prevista no art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, relativa à vedação da retirada de bens do estabelecimento da devedora durante o período de blindagem, tem por finalidade contribuir para o soerguimento da sociedade empresária em crise, desde que efetivamente comprovada a essencialidade do bem de capital para o processo produtivo.

O pronunciamento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro na decisão ora comentada ratifica, mais uma vez, a previsão legal de que os créditos com garantia fiduciária não se sujeitam à recuperação judicial do devedor e serve como importante precedente a ser observado por outros tribunais e juízos de primeiro grau do país, evitando-se qualquer confusão que se possa fazer entre a natureza extraconcursal de um crédito e a possível essencialidade do bem objeto da garantia – matérias que não exercem nenhuma influência uma sobre a outra –, além de orientar a compreensão de que a essencialidade de determinados bens da empresa em soerguimento não deve ser presumida, mas sempre comprovada, assegurando-se que o credor fiduciário não sofra injusto prejuízo.

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