Tributação de investimentos no exterior: mudanças importantes

15/03/2024

Por Romario Almeida Andrade

A Lei nº 14.754/2023 alterou regras importantes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) quanto aos investimentos feitos no exterior. Serão afetados por essa Lei todos os contribuintes residentes no Brasil que recebem algum tipo de renda ou obtêm ganhos decorrentes de investimentos financeiros realizados no exterior. A seguir, destacaremos as mudanças mais significativas.

Rendimentos com aplicações financeiras

Conceito de aplicação financeira: a Lei se aplica exclusivamente sobre os rendimentos ou ganhos obtidos em decorrência de aplicações financeiras no exterior, por exemplo, depósitos bancários remunerados, contas-correntes com rendimentos, cotas de fundos de investimento etc.

Alíquota: todas as pessoas físicas residentes no Brasil que receberem rendimentos de capital investido no exterior em razão de aplicações financeiras devem informar a renda na Declaração do Imposto de Renda, submetendo-se ao imposto pela alíquota única de 15%.

Momento da tributação: os juros e outras espécies de remuneração ou ganhos na alienação baixa ou liquidação do capital, inclusive de variação cambial sobre o principal, serão tributados no momento em que forem efetivamente recebidos pela pessoa física.

Ganhos de capital de outras naturezas: para os ganhos de capital que não constituam aplicações financeiras (como a venda de um imóvel, por exemplo), fica valendo a regra antiga, aplicando-se as alíquotas progressivas de 15% a 22,5%, dependendo do ganho obtido.

Compensação de perdas: a pessoa física poderá compensar as perdas em aplicações financeiras com rendimentos da mesma natureza. Se o valor das perdas for maior que o valor dos ganhos, o saldo das perdas poderá ser utilizado para compensar os lucros e dividendos de entidades controladas no exterior, desde que informados na mesma declaração do imposto de renda. Se houver acúmulo de perdas no final do período de apuração, elas poderão ser compensadas em períodos posteriores. A compensação das perdas deve ocorrer uma única vez.

Compensação do imposto pago no exterior: a Lei também autorizou a compensação do imposto de renda pago no exterior com o imposto devido no Brasil, desde que (i) a compensação esteja prevista em acordo, tratado ou convenção internacional firmado com o país de origem dos recursos; ou (ii) haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil.

Rendimentos com entidades controladas (offshores)

Conceito de entidade controlada: a Lei define entidade controlada como as sociedades e demais entidades, personificadas ou não, incluídos os fundos de investimento e as fundações, controladas direta ou indiretamente por pessoa física residente no Brasil, seja de forma isolada ou em conjunto com parentes e consanguíneos, que detenha:

a. direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores; ou

b. mais de 50% de participação no capital social ou equivalente, ou nos direitos de receber os lucros ou ativos na hipótese de liquidação.

Entidades controladas sujeitas ao regime tributário: o regime tributário instituído pela Lei é aplicável para as entidades controladas que se enquadrem em uma das seguintes condições:

a. localizadas em países com tributação favorecida (os chamados “paraísos fiscais”) ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; ou

b. empresas cuja renda ativa própria (não proveniente de juros, royalties, aplicações financeiras etc..) seja inferior a 60% da renda total.

Momento da tributação: os lucros obtidos pelas entidades controladas sujeitas ao regime tributário instituído pela nova Lei serão tributados em 31 de dezembro de cada ano, pela alíquota única de 15%, independentemente de deliberação acerca da sua distribuição. Essa nova forma de tributação revela-se mais onerosa em comparação com o regime anterior, uma vez que, ao estabelecer a tributação no momento da apuração dos lucros na empresa controlada, o Fisco está impondo ao contribuinte a tributação de um rendimento que ele ainda não recebeu de fato.

Apuração dos lucros da controlada: os lucros devem ser apurados de forma individualizada, em balanço anual da controlada, excluídos dos resultados a parcela relativa às participações em outras controladas, inclusive quando a entidade for organizada como um fundo de investimento. Essa nova regra deve aumentar o custo de manutenção das offshore, que a partir de agora terão que manter um controle rígido da sua contabilidade.

Possibilidade de dedução de prejuízo e do imposto devido no exterior: a Lei autoriza a dedução de prejuízos apurados no balanço da empresa controlada, desde que se refiram a períodos a partir de 1º de janeiro de 2024 e sejam anteriores à data de apuração do lucro. A pessoa física também poderá deduzir o imposto de renda devido no exterior pela entidade controlada.

Regime de transparência fiscal: a Lei permite que a pessoa física que possua investimento em empresa controlada no exterior possa declarar os bens e direitos como se fossem detidos diretamente pela pessoa física. Nesse caso, a pessoa física deverá informar essa opção na sua declaração do imposto de renda, substituindo a participação na empresa pelos ativos financeiros. Essa opção será irrevogável e irretratável durante todo o prazo em que a pessoa física detiver a participação na empresa sediada no exterior.

Trusts no exterior

A Lei 14.754/2023 definiu o trust como a relação jurídica em que o titular de um patrimônio o transfere para que outra pessoa o administre (trustee ou administrador), segundo regras previamente estabelecidas. De acordo com a Lei, o patrimônio objeto do trust deve permanecer sob a titularidade do instituidor, que tem a obrigação de declarar o referido patrimônio em seu nome e pagar o imposto de renda sobre eventuais rendimentos ou ganhos de capital.

A mudança de titularidade do patrimônio em favor do beneficiário só ocorrerá no momento da distribuição pelo trust ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro. Essa transmissão é considerada doação, caso ocorra enquanto o instituidor ainda estiver vivo, ou herança, em caso de falecimento do instituidor, ficando submetida, em ambos os casos, à incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Atualização do custo de aquisição de ativos no exterior

Todos aqueles que possuem bens e direitos no exterior (aplicações financeiras, imóveis, veículos, participações em empresas etc.) terão a opção de atualizar o custo de aquisição dos ativos para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023. Sobre a diferença entre o valor atualizado e o custo original, incidirá o imposto de renda à alíquota de 8%.

Em um primeiro momento, essa opção parece ser vantajosa, pois permite que o contribuinte tribute o “estoque” da valorização com uma alíquota menor do que a alíquota de 15% que normalmente é cobrada. De toda forma, a decisão pela atualização do ativo a valor de mercado deve ser analisada caso a caso, pois vários fatores podem tornar essa opção mais ou menos atrativa.

Um dos aspectos importantes a ser considerado é a expectativa de liquidação do ativo. Para investidores que não possuem planos de liquidar o ativo em curto prazo, pode não ser vantajoso antecipar a tributação sobre o estoque.

Outra questão a ser levada em consideração é o risco de desvalorização do ativo. Se o contribuinte atualizar o valor do ativo e recolher o imposto de renda pela alíquota menor e, futuramente, o ativo se desvalorizar, além do prejuízo decorrente da desvalorização, o recolhimento antecipado do imposto não se mostrará vantajoso do ponto de vista financeiro.

O valor dos ativos deve ser convertido pela cotação da moeda estrangeira para venda divulgada pelo Banco Central do Brasil em 31 de dezembro de 2023. O imposto de renda apurado sobre a diferença deverá ser pago pelo contribuinte até o dia 31 de maio de 2024.

Não podem ser objeto de atualização:

a. ativos não informados na declaração do imposto de renda de 2022 ou adquiridos em 2023;

b. ativos alienados, baixados ou liquidados antes da formalização dessa opção; e

c. moeda estrangeira em espécie, joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, etc.

A Receita Federal ainda deve regulamentar a forma como o contribuinte poderá fazer a opção pela atualização do ativo a valor de mercado.

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