Falta de registro da alienação fiduciária não afasta a incidência da Lei nº 9.514/97 para o caso de inadimplência

03/04/2024

Por Camila Almeida Gilbertoni

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.866.844/SP, consolidou o entendimento de que os contratos de alienação fiduciária de imóveis, ainda que não registrados em cartório, mantêm sua validade jurídica entre as partes envolvidas, conforme os preceitos estabelecidos pela Lei Federal n° 9.514 de 20 de novembro de 1997. Essa decisão ratifica que a ausência de registro dos referidos contratos não compromete a eficácia dos acordos estabelecidos entre as partes, inclusive no que tange à previsão de alienação extrajudicial (realização de leilão) em situações de inadimplência do devedor.

Contudo, a decisão em tela faz uma importante observação: embora a falta de registro não invalide o contrato de alienação fiduciária nem as cláusulas acordadas, para a efetiva execução da garantia prevista na Lei nº 9.514 — especificamente, a realização do leilão do bem imóvel em caso de inadimplência —, torna-se imperativa a formalização do registro do contrato no cartório imobiliário competente. Tal registro é fundamental para habilitar o cartório a promover as notificações legais necessárias, incluindo a notificação para a consolidação da propriedade em nome do credor e subsequente realização do leilão, conforme estipulado pela legislação vigente.

Desta decisão, há importantes lições:

(a) as cláusulas contratuais mantêm sua validade entre as partes e a Lei nº 9.514 é aplicável, ainda que a garantia fiduciária não tenha sido previamente registrada na matrícula do imóvel;

(b) em situações de tentativa de rescisão contratual pelo consumidor, prevalece a interpretação do STJ de não aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC);

(c) a observância do que foi livremente contratado e da lei especial que rege esse tipo de transação é benéfica para ambas as partes, pois ao devedor fiduciante é garantido o direito de não ter o imóvel objeto da garantia alienado de forma diversa das hipóteses legais; ao credor fiduciário, por sua vez, fica assegurado o direito de, em caso de inadimplência, utilizar os meios contratuais de execução da garantia;

(d) inadimplido o contrato, caberá ao credor fiduciário, ainda que tardiamente, promover o registro da alienação fiduciária na matrícula do imóvel para então promover o leilão extrajudicial previsto na Lei nº 9.514; e

(e) caso o registro não seja possível por inobservância das exigências cartorárias, compete ao credor ajuizar ação de execução da dívida, buscando a satisfação por meio de penhora e subsequente leilão judicial, conforme a legislação processual.

O raciocínio adotado consolida entendimentos anteriores do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especificamente o Tema nº 1.095 – clique aqui para ler nosso outro artigo: Código de Defesa do Consumidor não incide nos contratos de compra e venda com alienação fiduciária em garantia –, pelo qual se determinou a não aplicabilidade do CDC na resolução de contratos de alienação fiduciária em razão da inadimplência do devedor.

Tal posicionamento reforça o princípio da especificidade, segundo o qual a legislação especial — no caso, a Lei nº 9.514 — tem primazia sobre a legislação geral. Este entendimento oferece maior segurança jurídica às partes envolvidas, garantindo que não haverá imposição de procedimentos alheios aos termos originalmente acordados. Essa clareza normativa assegura que as regras específicas estabelecidas para as operações de alienação fiduciária sejam respeitadas, evitando surpresas decorrentes da aplicação de dispositivos legais gerais em situações particularmente regidas por normas especiais.

Em conclusão, é preciso destacar que uma análise definitiva sobre os impactos dessa decisão judicial nos contenciosos ainda pode ser considerada prematura. Essa cautela deriva da observação de que, apesar de o registro da alienação fiduciária não ser estritamente necessário para a validade do acordo entre as partes, conforme entendimento adotado na referida decisão, ele se revela indispensável em dois aspectos críticos: (i) a efetivação da execução da garantia, mais especificamente por meio do procedimento de leilão extrajudicial do imóvel, e (ii) a proteção dos direitos das partes diante de alegações por terceiros.

A mera formalização do contrato na forma da Lei nº 9.514 – nos parece – é suficiente, por exemplo, para excluir a aplicabilidade das normas do CDC ou para vincular o imóvel às obrigações garantidas, mas a mera assinatura do ajuste entre as partes, por si só, não é capaz de autorizar o leilão extrajudicial do bem, que exige o registro prévio da alienação fiduciária na matrícula imobiliária.

 

 

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