STJ decide pela aplicação da Taxa Selic como fator de atualização monetária em débitos judiciais de natureza civil

27/06/2024

Por Antônio Carlos Magro Júnior

Importante alteração de paradigma na forma de atualização de débitos judiciais de natureza civil ocorreu recentemente com o julgamento, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Recurso Especial nº 1.795.982/SP, cujo acórdão aguarda lavratura e publicação.

O referido recurso foi interposto por uma empresa condenada ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência de acidente de trânsito. A empresa pretendia que a atualização monetária da condenação, até seu efetivo pagamento, ocorresse exclusivamente mediante a aplicação do artigo 406 do Código Civil, que remete à Taxa Selic, e não com incidência de correção monetária mais juros de mora, como corriqueiramente se dá em situações análogas.

O artigo 406 do Código Civil estabelece que, na ausência de taxa convencionada, os juros moratórios devem ser fixados de acordo com a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, que é a Taxa Selic, atualmente em 10,50% ao ano [1].

Importante salientar que, nos casos em que se busca indenização em razão do cometimento de um ato ilícito pela parte contrária, inexiste taxa predeterminada de juros de mora.

Isso porque essa indenização não decorre de um inadimplemento contratual – situação em que essa taxa poderia ter sido convencionada entre as partes –, mas sim de ato ilícito que, na definição da lei, constitui-se uma ação ou omissão voluntária, de negligência ou imprudência, que viole direito e cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral [2].

Portanto, a pretensão da empresa condenada, em tese, encontrava respaldo legal, o que lhe possibilitou recorrer ao STJ, órgão com competência constitucional para decidir sobre casos que contrariem ou neguem vigência à lei federal.

É fato que a aplicação exclusiva da Taxa Selic, ao menos no contexto atual, resulta em uma atualização inferior à soma da correção monetária aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo [3] – Corte responsável pelo julgamento do caso que chegou ao STJ – e juros de mora, estes últimos fixados em 1% (um por cento) ao mês.

Para ilustrar, considerado o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em 01/01/2020 atualizado apenas pela Taxa Selic, obtém-se o valor de R$ 14.001,40 (quatorze mil e um reais e quarenta centavos) em 03/04/2024, conforme cálculo disponível aqui. Já com a incidência de correção monetária e juros de mora legais, o valor alcançaria R$ 19.407,78 (dezenove mil quatrocentos e sete reais e setenta e oito centavos) no mesmo período, evidenciando uma diferença considerável.

A questão da aplicação de juros em demandas judiciais no Brasil é controversa, conforme abordado em artigo anterior, de autoria do advogado Cylmar Pitelli Teixeira Fortes, publicado no caderno Política do Blog do Fausto Macedo, do Estadão, em 13/12/2021.

Naquela ocasião, já se fez menção à decisão agora em análise, destacando-se as possíveis implicações do julgamento do Recurso Especial nº 1.795.982/SP.

Para concluir, é importante observar duas questões relevantes. Em primeiro lugar, o recurso especial mencionado não foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos, ou seja, não resultou na formulação de uma tese que deva ser aplicada necessariamente a processos que tratem da mesma questão de direito. No entanto, dado que o julgamento foi proferido pela Corte Especial, é esperado que haja uniformidade de interpretação dentro do próprio STJ.

Em segundo lugar, foram levantadas três questões de ordem, que aqui transcrevemos: “a primeira, visando à declaração de nulidade do julgamento, ante a ausência de 2 (dois) membros que estariam presentes na parte da tarde, a segunda e a terceira, quanto à definição do método de utilização dos fatores diários da selic e de como aplicar a selic nos casos em que o termo inicial dos juros de mora antecede o da correção monetária”.

Essas questões serão deliberadas pela Corte Especial em ocasião futura, pois o julgamento foi suspenso devido a um pedido de vistas feito pelo Ministro Mauro Campbell.

Nosso time de Disputas Judiciais acompanha de perto o assunto. Assim que surgirem, as novidades serão compartilhadas com nossos leitores.

 

[1] https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros – acesso em 27/06/2024.

[2] Conforme o artigo 186 do Código Civil.

[3] O índice de correção monetária do TJ/SP lastreia-se na variação mensal do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), apurado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Fonte: https://www.tjsp.jus.br/Download/GeraisIntranet/DuvidasFrequentesOrientacoesPublicoInterno.pdf – acesso em 27/06/2024.

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