Lei padroniza correção monetária e juros legais

15/08/2024

Por Marsella Medeiros Bernardes

Publicado no Valor Econômico, Caderno Legislação, Opinião Jurídica, edição de 15 de agosto de 2024.

Em 1 de julho, foi promulgada a Lei nº 14.905, que alterou o Código Civil para uniformizar a aplicação de correção monetária e juros nos contratos que não possuem taxas predefinidas e, ainda, nas ações que tratam de responsabilidade civil extracontratual, ou seja, que tratam sobre compensações por perdas e danos.

Anteriormente, a legislação civil não previa com clareza o índice de correção monetária ou a taxa de juros aplicável às dívidas na ausência de convenção contratual ou previsão legal específica, levando a divergências jurisprudenciais significativas tanto no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto no dos Tribunais de Justiça estaduais. Havia, por exemplo, quem determinasse que os juros legais deveriam corresponder à Selic ou à taxa de 1% ao mês. A Lei nº 14.905 encerrou esses debates.

Segundo a nova redação do parágrafo único do artigo 389 do Código Civil, quando não houver estipulação diversa em contrato ou em lei específica, a correção monetária de valores deverá ser feita pela variação do IPCA/IBGE ou do índice que vier a substituí-lo.

Um exemplo de impacto imediato dessa alteração diz respeito às tabelas práticas de atualização monetária de alguns dos Tribunais de Justiça pátrios, como o do Estado de São Paulo, que atualmente utiliza o INPC/IBGE como índice de correção. Com a nova previsão legal, as tabelas deverão ser ajustadas para utilizar o IPCA.

Além disso, quando os juros não estiverem estipulados em contrato, deverão ser calculados com base na taxa legal, que será correspondente à taxa Selic menos a correção monetária. Caso o resultado dessa subtração seja negativo, os juros serão zerados.

É o que prevê a nova redação do artigo 406 do Código Civil: “Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. Parágrafo 1º – A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do artigo 389 deste Código. Parágrafo 2º – A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil. Parágrafo 3º – Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência”.

A aplicação dos juros na forma prevista na nova redação do artigo 406 do Código Civil ocorrerá, por exemplo, na execução judicial de cheques, duplicatas e notas promissórias que não possuam taxas de juros predefinidas. Essa aplicação também se estende a casos de inadimplência em outras obrigações que não especifiquem os juros, assim como em condenações judiciais que envolvam responsabilidade civil resultante de atos ilícitos.

Observe que a taxa legal de juros será determinada pela dedução da correção monetária da taxa Selic. Assim, se considerarmos um cenário como o período pré-pandemia, em que a Selic estava em 2%, não haveria incidência de juros de mora em cobranças de boletos representativos de duplicatas sem taxa de juros predefinida, por exemplo.

Outra alteração relevante que tem passado despercebida está no artigo 3º da Lei nº 14.905, que inovou ao dispor que o Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, conhecido como a Lei de Usura, não será aplicado em obrigações: “I – contratadas entre pessoas jurídicas; II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários; III – contraídas perante: a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; b) fundos ou clubes de investimento; c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito; d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou IV – realizadas nos mercados financeiros, de capitais ou de valores mobiliários”.

O referido Decreto n° 22.626, vale lembrar, prevê: (a) a limitação dos juros ao dobro da taxa legal: “Artigo 1º – É vedado, e será punível nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal” – que, segundo a nova disposição do parágrafo único do artigo 396 do Código Civil, é correspondente à taxa Selic menos correção monetária; (b) a vedação à capitalização mensal de juros: “Artigo 4º – É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano”; e (c) a proibição de multa contratual em patamar superior a 10% (dez por cento): “Artigo 9º – Não é válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da dívida”.

Assim, pela literalidade da nova lei, são eliminados quaisquer questionamentos sobre a limitação de juros em cédulas de produto rural financeiras emitidas diretamente a instituições não financeiras, bem como em valores mobiliários como debêntures ou notas comerciais. Um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios poderá, portanto, cobrar juros superiores ao dobro da taxa legal e capitalizá-los mensalmente.

De qualquer forma, dada a importância da inovação legal e o potencial impacto no mercado financeiro, é prudente aguardar para observar como a jurisprudência irá interpretar e aplicar essas novas disposições. Cenas dos próximos capítulos.

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