De dentro de casa: mais um caso de recuperação de imóveis doados em fraude

28/08/2024

Por Camilla Imthon Cavalcanti de Albuquerque

Em ação de execução conduzida pelo Teixeira Fortes Advogados (TFA), nossa equipe de recuperação de créditos constatou que, logo após contrair expressiva dívida perante um FIDC, a Executada doou quatro imóveis aos filhos. A operação imobiliária foi realizada de forma fraudulenta, com o objetivo de evitar que os bens fossem alcançados por seus credores.

Nos autos da execução, buscou-se bens passíveis de penhora, mas apesar das diversas medidas adotadas, como tentativa de bloqueio de contas e veículos, nenhuma foi efetiva. Ao constatar que todos os imóveis livres, que poderiam fazer frente à dívida, haviam sido doados aos filhos da devedora, o credor imediatamente ajuizou uma demanda com o objetivo de anular as referidas doações, eis que restou configurada a fraude contra credores, estando cumpridos os pressupostos do artigo 158 e seguintes do Código Civil.

Com efeito, para a ocorrência de fraude contra credores, com a consequente nulidade do negócio, pressupõe-se a efetiva demonstração de três requisitos: (i) anterioridade do crédito; (ii) prejuízo ao credor; e (iii) conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor.

Ao ajuizar a ação anulatória, o TFA demostrou a existência de todos esses requisitos:

(i) a devedora assumiu obrigação com o credor, e seis meses depois se desfez de seu patrimônio; o crédito, portanto, já existia e era anterior ao ato de transferência dos bens;

(ii) o débito é incontroverso, e não foram indicados pela devedora outros bens para a satisfação do débito;

(iii) a proximidade entre a doadora e os donatários (mãe e filhos) retira-lhes a boa-fé, notadamente pelo prévio conhecimento da situação que envolvia a empresa da família, que havia contraído diversas dívidas; portanto, não se nega que os donatários tinham pleno conhecimento dos danos resultantes do ato.

O Juiz, convencido da robustez dos elementos apresentados pelo credor, julgou procedente a demanda para anular a doação e determinar o retorno dos imóveis ao patrimônio dos devedores, de modo que estes possam responder pela dívida. Assim, o credor poderá prosseguir com os atos de expropriação desses bens para satisfação da dívida.

Apesar de a devedora ter interposto recurso visando a reforma da sentença, o Tribunal de Justiça de São Paulo, de forma acertada, manteve o entendimento adotado em primeira instância, confirmando a anulação da doação dos bens. Confiram-se abaixo os principais trechos do acórdão:

Restou incontroversa a doação da parte cabente à ré F. aos demais corréus, registradas na matrícula nº xx.xxx do 3º C.R.I. de São Paulo; matrícula nº xx.xxx do 4º C.R.I. de São Paulo; matrícula nº xx.xxx do 8º C.R.I. de São Paulo; e matrícula nº xx.xxx do 4º C.R.I. de São Paulo.
Incontroverso, também, que a ré F. assumiu a obrigação de garantir a nota promissória emitida pela empresa da qual era sócia, e que é objeto da execução acima mencionada.
Divergem-se as partes, no entanto, se houve a prática de fraude contra credores, mediante a doação de bens imóveis a terceiros.
Nesse ponto, nenhum argumento dos apelantes têm o condão de infirmar o conjunto probatório dos autos, que comprova que a doação ocorreu com o objetivo de prejudicar os credores que, como demonstrou a autora, não são poucos.
De início, para configurar a anterioridade, não é necessário que o crédito seja exigível, bastando que seja existente ao tempo da alienação ou doação dos bens, como no caso dos autos.
(…) No presente caso, a devedora assumiu obrigação com a instituição financeira autora em dezembro/2018, para quitação à vista. Seis meses depois, desfez-se de considerável patrimônio. O crédito, portanto, já existia e é anterior à disponibilidade dos bens.
Como se vê, o direito daquele que já era credor ao tempo do ato há que ser resguardado, pois espera-se que seja vedado ao devedor que disponha de seu patrimônio, a fim de impedir a inviabilidade do cumprimento das obrigações assumidas.
Em suma, a cronologia dos acontecimentos não prevalece em detrimento do direito da autora, mormente pela vontade deliberada da ré devedora, de garantir a manutenção dos bens em seu poder, mediante a doação aos descendentes.
De igual modo, está evidenciado o consilium fraudis, na medida em que a proximidade da doadora e donatárias (mãe e filhos) retira destes a boa-fé, notadamente pelo prévio conhecimento da situação que envolvia a empresa da família. Além disso, não se nega que os donatários tinham pleno conhecimento dos danos resultantes do ato. Não é crível, ademais, que a doação tenha sido realizada ingenuamente e com o mero propósito de beneficiar os filhos.
Por fim, é visível o eventus damni, caracterizado pela prática do ato, ciente a devedora dos danos que causaria aos credores. Ademais, ao contrário do que entendem os apelantes, a fraude contra credores não se confunde com fraude à execução, que tem os requisitos especificados no art. 792 do CPC, pressupondo, portanto, a existência da demanda executória. Inaplicável, portanto, a invocada Súmula 375 do STJ (‘O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente’).
(…) Destarte, restaram cumpridos os requisitos essenciais para caracterizar a fraude contra credores, quais sejam: 1) a existência de dívida anterior à transmissão dos bens; 2) o conluio entre o alienante e o adquirente (consilium fraudis), diante da doação de bens imóveis para descendentes; e 3) o prejuízo ao direito da credora (eventus damni), inclusive pelo estado de insolvência da empresa emissora do título de crédito.
Em conclusão, nenhuma reforma comporta a r. sentença, que acertadamente afastou a tese dos réus, que não apresentaram nenhum elemento capaz de infirmar seu conteúdo.

O que se observa, em suma, é que a devedora dolosamente transferiu seu patrimônio em fraude aos credores e à lei, mas sua manobra foi identificada e eficazmente coibida pela experiência e combatividade da equipe de Recuperação de Créditos do Teixeira Fortes Advogados, o que possibilitou a penhora dos imóveis e o recebimento do crédito.

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