STJ reconhece regularidade de citação realizada por WhatsApp

04/10/2024

Por Beatriz Martins Rufino

Em recente decisão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe à tona discussão sobre o uso de meios eletrônicos para citação, ao validar o WhatsApp como ferramenta legítima para citação em um processo de homologação de sentença estrangeira.

A controvérsia se deu em torno de uma empresária brasileira que, condenada por inadimplemento contratual nos Estados Unidos, buscava anular a homologação da sentença estrangeira no Brasil. A empresária argumentava que a citação ocorrida nos EUA não seguiu o procedimento previsto pela legislação brasileira, que exige o uso de carta rogatória para notificar residentes no Brasil. Em vez disso, a citação foi realizada via WhatsApp, o que ela alegava ser irregular.

No entanto, a parte autora apresentou provas de que a empresária brasileira tinha ciência da ação, por meio de mensagens trocadas via WhatsApp e e-mails, demonstrando a autenticidade dela como destinatária de tais mensagens. Apesar de estar ciente do processo e ter oportunidade de defesa, a empresária optou por não participar formalmente da ação nos EUA, o que levou à sentença desfavorável.

O ministro Herman Benjamin, relator do caso, trouxe uma visão pragmática ao processo, destacando a importância de se garantirem o contraditório e a ampla defesa, independentemente do meio de citação utilizado. Segundo o ministro, embora a citação por carta rogatória seja o procedimento ideal previsto no Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, a finalidade do ato – garantir que a parte tenha ciência inequívoca da ação e oportunidade de se defender – foi plenamente atendida.

Em seu voto, Benjamin mencionou o princípio da instrumentalidade das formas, que permite a flexibilização do rigor formal dos atos processuais quando a finalidade principal do ato é atingida. No caso em questão, as mensagens trocadas pelo aplicativo WhatsApp foram suficientes para garantir que a empresária soubesse da ação e pudesse exercer seu direito de defesa.

Apesar de refletir uma tendência crescente na flexibilização dos meios de citação, especialmente em um contexto de maior uso de tecnologias digitais, a decisão reforça que o rigor formal dos trâmites processuais só pode ser flexibilizado quando há prova inequívoca de que a parte foi devidamente notificada e que o direito de defesa foi assegurado.

O mesmo entendimento pode ser verificado em decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que admitiram a citação via WhatsApp em diversos contextos judiciais:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO POR TITULO EXTRAJUDICIAL. CITAÇÃO VIA APLICATIVO WHATSAPP. DEFERIMENTO. Recurso interposto contra decisão que indeferiu a citação da executada por meio do aplicativo whatsapp. A citação é ato de comunicação processual e deve ser revestido de formalidade e cautela, para se evitar futuras nulidades. E, contanto que garantido o preenchimento dos requisitos de autenticação, terá validade a citação por aplicativo de mensagens. Isto é, desde que contenha elementos indutivos da autenticidade do destinatário, como número do telefone, confirmação escrita e foto individual, a citação via aplicativo do whatsapp será válida. Precedentes do Tribunal de Justiça e desta Turma julgadora. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PROVIDO.”[1]

No julgado acima, o relator consignou que “a citação é ato de comunicação processual e deve ser revestido de formalidade e cautela, para se evitar futuras nulidades e deve ser revestido de formalidade e cautela, para se evitar futuras nulidades”, frisando que a citação via aplicativo de mensagem seria válida “desde que se tenha certeza do recebimento da mensagem pelo demandado destinatário com conhecimento do inteiro teor da petição inicial e da decisão que ordenou a citação com advertências da lei”.

Ainda sobre o tema:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação monitória – Magistrado que invalidou a citação realizada por meio de aplicativo ‘whatsapp’ pelo juízo deprecado – Possibilidade da citação eletrônica na hipótese – Citações infrutíferas pelos meios tradicionais – Oficial de Justiça que certificou a efetivação da citação – Elementos da autenticidade do destinatário, como envio de cópia de documento pessoal com foto – Eventual vício no ato citatório que poderá ser invocado pelo executado, se o caso, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa – Precedentes – Recurso provido, com observação.”[2]

No precedente acima, a citação foi validada justamente em razão dos elementos da autenticidade do destinatário, que encaminhou cópia de seu documento pessoal com foto, a fim de confirmar a leitura do mandado.

Embora cada caso deva ser individualmente analisado, esses exemplos ilustram que a validade da citação por meios eletrônicos, como o WhatsApp, pode ser reconhecida, mas está condicionada à presença de elementos que comprovem a autenticidade do destinatário, como número de telefone, confirmação escrita e foto individual.

Portanto, a decisão unânime da Corte Especial do STJ marca um ponto de inflexão sobre o uso de novas tecnologias nos processos judiciais, que passa a ser um mecanismo válido em casos excepcionais. O precedente, além de validar a citação por WhatsApp, também sinaliza uma abertura do Judiciário brasileiro para meios de comunicação mais ágeis e contemporâneos, desde que respeitem o devido processo legal e não comprometam os direitos fundamentais das partes envolvidas.

 

[1] TJSP; Agravo de Instrumento 2213568-31.2024.8.26.0000; Relator: Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 24/07/2024; Data de Registro: 24/07/2024.
[2] TJSP; Agravo de Instrumento 2195203-26.2024.8.26.0000; Relatora: Lígia Araújo Bisogni; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 18/07/2024; Data de Registro: 18/07/2024.

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