O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente decidiu que não incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a transferência de quotas de fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, realizada em decorrência de sucessão causa mortis[1]. O entendimento foi baseado no fato de que tal transferência não configura fato gerador do IRRF, desde que os herdeiros mantenham os valores declarados na última Declaração de Imposto de Renda do falecido.

A controvérsia surge porque a Receita Federal entende que a transferência de quotas, mesmo sem resgate ou alienação onerosa, configura um fato gerador do IRRF. Segundo a Receita, a mudança de titularidade dos fundos, por implicar uma alteração escritural, deve ser considerada uma alienação. Esse entendimento tem como base o art. 65 da Lei nº 8.981 de 1995, que define que alienação abrange qualquer forma de transmissão de propriedade, incluindo liquidação, cessão ou repactuação de aplicações financeiras.

No nosso entendimento, a Receita Federal amplia indevidamente o alcance da norma ao equiparar a transferência causa mortis a uma alienação tributável. Essa interpretação desconsidera que a sucessão hereditária possui regras específicas, que não podem ser ignoradas para justificar a cobrança de imposto. Transferências causa mortis são atos necessários para a continuidade da relação jurídica do falecido com o fundo, não representando um fato gerador de imposto.

Entendemos que a transferência de quotas por sucessão causa mortis não gera qualquer acréscimo patrimonial aos herdeiros no momento da transmissão. Não há movimentação econômica que configure ganho de capital, mas apenas a substituição do titular na relação jurídica com a administradora do fundo. O ato não é voluntário, nem representa vantagem financeira para os herdeiros, sendo, portanto, inadequado considerá-lo tributável.

A Lei nº 9.532/1997 reforça essa interpretação ao permitir que a avaliação das quotas seja feita com base no valor constante da última DIRPF do falecido. Apenas quando a transferência é realizada pelo valor de mercado há previsão legal para a incidência de IRRF sobre a diferença positiva. A transferência pelo valor declarado, por sua vez, não configura qualquer fato gerador de imposto.

Ademais, o princípio da legalidade tributária exige que o imposto só seja cobrado nos casos expressamente previstos em lei. Equiparar a transferência causa mortis a uma alienação tributável é criar uma ficção jurídica sem respaldo legal. Esse tipo de ampliação interpretativa fere também o princípio da segurança jurídica, gerando incertezas para os contribuintes.

A decisão do STJ está alinhada com esse entendimento, ao reforçar que o IRRF é devido apenas em situações em que ocorre fato gerador típico, como resgate ou alienação onerosa das quotas. No caso da sucessão hereditária, a transferência de quotas tem caráter meramente administrativo, visando à continuidade da relação jurídica, sem implicar acréscimo patrimonial.

Uma das principais vantagens de não haver a incidência do IRRF no momento da transferência de quotas é a preservação do montante integral investido, o que impacta positivamente a rentabilidade futura. Quando o imposto é recolhido antecipadamente, o valor correspondente ao IRRF reduz o capital sobre o qual incidirão os rendimentos futuros do fundo. Por outro lado, se o imposto não for recolhido no momento da sucessão, o valor integral das quotas é mantido, possibilitando que os rendimentos futuros sejam calculados sobre um montante maior.

Essa diferença tem um efeito significativo no longo prazo, pois a base de cálculo da rentabilidade permanece mais alta na ausência do IRRF. Em fundos de investimento, em que os rendimentos se acumulam ao longo do tempo, o impacto pode ser substancial. Assim, postergar a tributação para o momento do resgate ou alienação onerosa das quotas permite maximizar o crescimento do patrimônio enquanto ele permanece investido. Essa vantagem pode ser decisiva para herdeiros que desejam otimizar a gestão do patrimônio recebido.

Ainda que a decisão do STJ seja um marco importante, é necessário reconhecer que ela não possui efeito vinculante. Isso significa que outros tribunais, ou mesmo outras turmas do STJ, podem adotar entendimentos diversos, o que mantém o tema em aberto e sujeito a interpretações divergentes.

Essa falta de pacificação na jurisprudência significa que a Receita Federal pode insistir na aplicação de sua interpretação, exigindo a retenção do IRRF em situações similares. Assim, a controvérsia ainda não está completamente resolvida, embora a decisão do STJ ofereça um importante precedente a favor dos contribuintes.

Como o IRRF é recolhido pelas administradoras dos fundos, que têm responsabilidade direta sobre o tributo, dificilmente elas deixarão de realizar a retenção sem uma decisão judicial que as autorize a não recolher o imposto. Essa dinâmica reforça a necessidade de buscar o Judiciário para discutir a exigência.

Portanto, o contribuinte que discordar da cobrança do IRRF precisa ingressar com uma ação judicial para proteger seus direitos e evitar a retenção indevida. Apenas com uma decisão judicial favorável é possível afastar a incidência do imposto nesse tipo de transferência.

 

[1] Recurso especial 1.968.695

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