De dentro de casa: a efetividade da execução do credor individual frente à recuperação judicial da empresa devedora

13/02/2025

Por Mohamad Fahad Hassan

Introdução

A recuperação judicial tem se consolidado como uma ferramenta importante para empresas em dificuldades financeiras, permitindo a reestruturação de seus passivos e a preservação de suas atividades. Contudo, esse processo gera desafios para os credores, especialmente para aqueles que buscam a satisfação de seus créditos por meio da execução.

Em situações em que a empresa devedora já enfrenta uma ação executiva antes do pedido de recuperação judicial, surge o questionamento sobre a eficácia desses atos processuais, à luz da suspensão prevista na Lei 11.101/2005.

Este artigo examina uma decisão relevante que reafirma a manutenção de atos de execução realizados antes do pedido de recuperação judicial, protegendo os direitos do credor individual. A análise se foca nos impactos dessa postura judicial sobre o mercado de crédito e na segurança jurídica dos credores, que necessitam de previsibilidade para a continuidade de suas ações.

O papel dos fundos de investimento no mercado de crédito

Os fundos de investimentos desempenham um papel essencial na viabilização de crédito no mercado de capitais, sendo responsáveis por fornecer recursos financeiros a diversas empresas e setores da economia. Sua atuação envolve não apenas a análise e concessão de crédito, mas também a fiscalização e acompanhamento dos compromissos assumidos por suas tomadoras. Quando uma dessas empresas entra em recuperação judicial, surgem desafios significativos para os credores, que, muitas vezes, enfrentam a dificuldade de obter o pagamento de seus créditos em meio a um processo judicial complexo.

A ação de execução e o pedido de recuperação judicial

No caso em análise, o fundo credor obteve sucesso ao penhorar a conta corrente da devedora, uma empresa em situação financeira delicada. A penhora, realizada por meio do sistema Sisbajud, consistiu em um valor significativo, bloqueado antes de o pedido de recuperação judicial ser formalmente ajuizado pela devedora. Contudo, a devedora entrou com pedido de levantamento da penhora, alegando que os efeitos da recuperação judicial devem retroagir e invalidar os atos processuais anteriores, incluindo a penhora.

A principal discussão jurídica se concentra no alcance da recuperação judicial e seus efeitos sobre os atos processuais anteriores ao pedido. Para tanto, é importante considerar os artigos da Lei 11.101/2005 que regem as situações envolvendo a recuperação de crédito, tais como:

• Art. 49: Estabelece que todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial devem ser incluídos no processo, o que normalmente leva a um bloqueio de ações executivas em andamento.

• Art. 6º, § 4º: Dispõe que, uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, ficam suspensos todos os processos de execução e de cobrança contra o devedor, pelo prazo de 180 dias, salvo algumas exceções.

No entanto, a decisão em análise reafirma que os atos já consumados, como a penhora, não são passíveis de desconstituição. É o que explicaremos neste artigo.

A decisão favorável ao fundo credor e os precedentes jurídicos

A decisão proferida no processo de execução em análise foi clara ao reafirmar que o deferimento da recuperação judicial opera efeitos “ex nunc” (não retroativos), ou seja, não retroage para atingir atos processuais que já estavam consolidados, como no caso da penhora realizada previamente.

A jurisprudência é unânime ao afirmar que, uma vez consumados os atos de constrição, não cabe ao processo de recuperação judicial desconstituir ou invalidar esses atos. A decisão foi baseada, também, no entendimento de que a recuperação judicial não pode prejudicar credores que já tenham adotado medidas legais para garantir o cumprimento da dívida.

Decisões anteriores, tanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), reforçam essa interpretação:

• STJ, Conflito de Competência nº 196553: A decisão deixou claro que os atos processuais já consumados, como penhoras e arrestos, não são afetados pela decretação da recuperação judicial, e o pedido de recuperação judicial não pode anular os atos de execução já realizados.

• TJSP, Agravo de Instrumento nº 2207242-26.2022.8.26.0000: Reforça o entendimento de que a recuperação judicial não pode desconstituir atos de penhora que foram realizados antes do pedido de recuperação, com base na ideia de que a proteção aos direitos dos credores é essencial para a estabilidade do mercado.

• TJSP, Agravo de Instrumento nº 2247265-19.2019.8.26.0000: Reafirma o entendimento de que, uma vez realizado um ato processual de constrição, como a penhora, o pedido de recuperação judicial não pode desconstituir esse ato, mesmo que tenha sido efetivado antes do ajuizamento do pedido. Nesse caso, o Tribunal entendeu que a penhora realizada sobre os bens da devedora não foi afetada pelo deferimento da recuperação judicial, pois o ato de penhora já havia consumado a constrição dos bens, não podendo ser desfeito em razão do simples ajuizamento da recuperação.

Esses precedentes reforçam a segurança jurídica para os credores, que podem confiar na continuidade das ações executivas já em andamento, mesmo diante da reestruturação de empresas em recuperação judicial, e contribuem para consolidar a ideia de que o Judiciário deve proteger a execução de créditos legítimos, mesmo em meio a um processo de recuperação judicial, respeitando as medidas já adotadas para garantir o pagamento de dívidas.

Nas decisões mencionadas, os tribunais rejeitaram a alegação de que o valor penhorado seria essencial à continuidade das atividades da empresa, destacando a diferença entre dinheiro e bens essenciais, como móveis e maquinários. Embora a legislação de recuperação judicial proteja certos bens necessários ao funcionamento da empresa, como aqueles que se destinam à sua atividade produtiva, os tribunais entenderam que o dinheiro não se enquadra nessa categoria.

A proteção ao crédito e a atuação do Judiciário em benefício do mercado de capitais

A decisão em favor do fundo credor é um exemplo claro de como o Judiciário tem se mostrado atento às dinâmicas do mercado de crédito. A recuperação judicial não deve ser utilizada como uma ferramenta para frustrar os direitos dos credores que já atuaram de boa-fé no processo de execução. Ao manter a penhora realizada e não acatar o pedido de levantamento, o Judiciário protege o crédito e assegura a confiança dos investidores no sistema jurídico. Essa postura preserva o equilíbrio entre o direito à recuperação da empresa e o direito dos credores à satisfação de seus créditos.

Além disso, a decisão fortalece a previsibilidade do mercado de crédito, pois reforça a ideia de que a atuação dos credores não será prejudicada por manobras processuais que tentem desconstituir atos já consolidados no âmbito judicial.

O impacto positivo para o mercado de crédito

Ao assegurar a manutenção dos atos processuais realizados na fase de execução, o Judiciário demonstra comprometimento com a estabilidade e previsibilidade de que os credores e fundos de investimento necessitam para operar de maneira eficiente no mercado. O respeito aos direitos dos credores, mesmo diante da recuperação judicial, é fundamental para garantir que o mercado de crédito continue a operar de forma fluida e sem entraves. Além disso, essa decisão pode servir como um precedente positivo para casos similares, reforçando a confiança de investidores e instituições financeiras no sistema jurídico brasileiro.

Conclusão

A decisão em favor do fundo de investimentos na ação de execução estabelece um marco importante para o mercado de crédito e para a jurisprudência sobre recuperação judicial no Brasil. Ao preservar os direitos dos credores, mesmo em face de um pedido de recuperação judicial, o Judiciário demonstra sua compreensão das complexidades das relações empresariais e financeiras. Essa postura garante que o sistema de crédito se mantenha robusto, atraente e previsível, fomentando a confiança dos investidores e a estabilidade do mercado de capitais. O equilíbrio entre a proteção da empresa recuperanda e os direitos dos credores é fundamental para o desenvolvimento contínuo da economia brasileira.

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