De dentro de casa: Tribunal reconhece que consumidores de energia solar não devem pagar ICMS sobre créditos que geram na rede elétrica

18/02/2025

Por Carlos Victor Pereira

A energia solar e o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE)

Nos últimos anos, tem crescido significativamente o número de consumidores que optam pelo sistema de geração distribuída de energia, especialmente por meio de placas fotovoltaicas. O modelo permite que a energia elétrica gerada pelo próprio consumidor seja utilizada para suprir sua demanda e, quando há excedente, essa energia pode ser injetada na rede da distribuidora.

Essa compensação ocorre no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), criado pela Resolução Normativa nº 482/2012 da ANEEL e posteriormente regulamentado pela Lei nº 14.300/2022. A norma estabelece que a energia injetada na rede não é vendida para a concessionária, mas sim cedida a título de empréstimo gratuito, gerando créditos para consumo futuro.

Desse modo, o consumidor é onerado somente quando a energia consumida é maior que a energia injetada na rede da distribuidora.

O ICMS sobre a energia elétrica compensada: uma cobrança inconstitucional

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) incide sobre a circulação de mercadorias, conforme prevê o art. 155, II, da Constituição Federal[1]. No entanto, para que haja essa incidência, a mercadoria deve sofrer circulação jurídica, ou seja, deve haver uma transferência de titularidade com fins comerciais.

No caso da energia elétrica compensada via SCEE, não há operação comercial, pois o consumidor apenas recupera a energia que injetou na rede anteriormente. Assim, não há fato gerador do ICMS, pois a energia cedida à distribuidora retorna ao consumidor sem alteração de titularidade, ou seja, sem a circulação de mercadoria que caracteriza a incidência do tributo, nos termos do referido dispositivo constitucional.

O caso em questão: mandado de segurança para afastar o ICMS das tarifas de energia elétrica compensada no SCEE

O Teixeira Fortes patrocinou os interesses de um cliente que sofria com a incidência de ICMS sobre as suas faturas de energia elétrica compensada no SCEE. As faturas, zeradas pelo efeito de compensação da energia solar gerada e injetada na rede de distribuição, continha tarifas tributadas pelo ICMS, sem que tivesse ocorrido a circulação de mercadorias.

Na decisão de primeiro grau, a segurança foi negada com base no Tema 986 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tratou da incidência do ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST).

No entanto, no recurso interposto ao Tribunal, demonstrou-se que essa tese não se aplicava ao caso concreto, pois a decisão do STJ trata de consumidores cativos ou livres que compram energia, enquanto no SCEE o consumidor apenas recupera a sua própria energia.

Em decisão unânime da 6ª Câmara de Direito Público, o Tribunal acolheu essa distinção e concluiu que a cobrança era indevida, fundamentando que:

“A energia fornecida pela concessionária, até o limite dos créditos da apelante, configura encerramento do contrato de empréstimo, com a devolução do que fora emprestado, e não como uma compra e venda de energia. Somente a energia que exceder o montante originalmente transferido pelo gerador poderá ser considerada como circulação de energia elétrica. Em outras palavras, cabe o ICMS somente se houver a ‘compra da energia’ em caso de não haver crédito acumulado para o micro gerador, dentro do prazo previsto no artigo 6º, §1º da Resolução ANEEL nº 482/2012 (60 meses), e somente sobre a diferença entre a energia injetada e a consumida, pois este é o montante que foge ao campo da compensação, ensejando efetiva circulação de mercadoria e configurando o fato gerador.”

Ao assim decidir, embora a jurisprudência não esteja pacificada, o Tribunal de Justiça de São Paulo produziu importante precedente para distinguir a não incidência de ICMS sobre TUSD/TUST e o afastamento do ICMS das tarifas de energia elétrica submetidas ao SCEE.

Conclusão

Conquanto a questão ainda não esteja definida na jurisprudência, o caso patrocinado pelo Teixeira Fortes representa um precedente importante para os consumidores que utilizam energia solar e o SCEE, garantindo que não sejam indevidamente tributados pelo ICMS sobre o consumo da energia que eles mesmos produziram e injetaram na rede, haja vista a falta de um fato gerador para a cobrança do imposto.

Para além disso, por fim, essa vitória reforça a necessidade de os contribuintes questionarem judicialmente tributações indevidas, especialmente em um cenário em que a geração distribuída de energia se torna cada vez mais relevante.

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