Reforma Tributária: o que muda para médicos, engenheiros e outros profissionais

07/04/2025

Por Julio César Justus

A reforma tributária trouxe mudanças significativas para o setor de serviços, especialmente para as sociedades formadas por profissionais liberais — como médicos, dentistas, engenheiros, arquitetos, contadores e advogados. Essas chamadas sociedades profissionais, que hoje contam com tratamento diferenciado na apuração do ISS, precisarão se adaptar a um novo sistema de tributação, que tende a ser muito mais oneroso e complexo.

De fato, uma das principais preocupações desses profissionais é o aumento da carga tributária. A alíquota-padrão dos novos tributos (IBS e CBS) deve representar um custo significativamente maior do que aquele suportado atualmente pelas sociedades uniprofissionais com os tributos hoje existentes (ISS, PIS e Cofins). Contudo, a boa notícia é que a nova lei criou um regime diferenciado para essas sociedades, com uma alíquota reduzida — desde que sejam atendidos critérios específicos.

Assim, apesar do cenário inicial indicar aumento de tributos, há espaço para planejamento e adequação. Com o enquadramento correto no regime especial, essas sociedades poderão pagar menos do que outros prestadores de serviços, preservando parte das vantagens que hoje desfrutam. Por isso, é fundamental entender desde já quais serão as novas regras, quem poderá se beneficiar do tratamento favorecido e quais providências devem ser tomadas para garantir esse direito no futuro.

Atualmente, profissionais organizados em sociedades uniprofissionais podem optar pelo pagamento do ISS fixo, um regime que permite a tributação com base no número de profissionais da sociedade, independentemente do faturamento. Esse regime proporciona maior previsibilidade tributária e, em muitos casos, representa uma economia expressiva para sociedades com alto faturamento, pois a tributação não incide sobre a receita dos serviços prestados pela sociedade, como ocorre com a maioria das empresas.

Para ilustrar de forma clara o cenário atual e os efeitos da reforma tributária sobre profissionais liberais e sociedades uniprofissionais, consideremos uma sociedade de médicos que:

• Possui 5 sócios;

• Tem faturamento anual de R$ 10 milhões;

• É optante pelo regime do lucro presumido.

Vamos comparar quatro cenários distintos, considerando a tributação apenas de ISS, PIS e Cofins, antes da reforma tributária, e a tributação da CBS e IBS, após a reforma tributária:

Cenário 1: Regime normal antes da reforma (ISS sobre o faturamento)

• ISS: 5% sobre R$ 10 milhões = R$ 500 mil/ano

• PIS/Cofins: 3,65% sobre R$ 10 milhões = R$ 365 mil/ano

• Total anual de tributos: R$ 865 mil

Cenário 2: Regime especial SUP (Sociedade Uniprofissional) antes da reforma (ISS fixo)

• ISS fixo: R$ 2.300/profissional/mês × 5 (sócios) x 12 (meses) = R$ 132 mil/ano

• PIS/Cofins: 3,65% sobre R$ 10 milhões = R$ 365 mil/ano

• Total anual de tributos: R$ 503 mil

Com a reforma, o ISS, o PIS e a COFINS serão extintos e substituídos, gradualmente, pelo IBS, tributo de competência estadual e municipal, e pela CBS, tributo de competência federal. Ambos terão como base de cálculo o valor da operação, e a alíquota somada de ambos é estimada em 28%. Retomando o mesmo exemplo da sociedade de médicos que fatura R$ 10 milhões por ano, nos deparamos com os seguintes cenários:

Cenário 3: Pós-reforma, com a aplicação do IBS e CBS com alíquota cheia (28%)

• IBS + CBS: 28% sobre R$ 10 milhões = R$ 2,8 milhões/ano

Neste cenário, a carga tributária dispara. Mesmo sem mudanças no faturamento, o fim do ISS fixo e a adoção do IBS e da CBS com base no faturamento gera um aumento brutal nos custos tributários. É verdade que o valor a recolher pode ser reduzido com a dedução de créditos sobre aquisições de insumos, mas para os prestadores de serviços esses créditos não devem ser relevantes.

No entanto, a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta o IBS e a CBS, prevê a possibilidade de redução de 30% (trinta por cento) na alíquota para algumas sociedades de profissionais que atenderem a determinados critérios, trazendo uma alternativa para amenizar os impactos do novo sistema.

Cenário 4: Pós-reforma, com as alíquotas do IBS e CBS reduzidas em 30%

• Alíquota efetiva: 28% com redução de 30% = 19,6%

• IBS + CBS: 19,6% sobre R$ 10 milhões = R$ 1,96 milhão/ano

Como se vê, a reforma tributária trará um impacto expressivo para as sociedades de profissionais liberais. No exemplo analisado, a carga tributária anual passaria dos atuais R$ 503 mil — valor pago por uma sociedade médica enquadrada no regime do ISS fixo — para R$ 2,8 milhões com a alíquota cheia do IBS e da CBS. Caso a sociedade atenda aos requisitos legais para aplicar a redução de 30%, o montante cairia para R$ 1,96 milhão, o que representa um alívio importante, mas ainda mais que o triplo do custo atual.

Para se beneficiar da alíquota reduzida, a sociedade deverá atender cumulativamente aos requisitos definidos na Lei Complementar nº 214/2025. A seguir, destacamos os principais critérios exigidos pelo regime especial:

a) O primeiro requisito estabelece que a sociedade deve ser composta exclusivamente por profissionais habilitados e regularmente inscritos em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional. Trata-se de uma exigência objetiva, cuja verificação se dá por meio do registro dos sócios nos órgãos reguladores de suas profissões.

b) O segundo requisito veda a participação de sócios investidores, ou seja, pessoas que não exercem diretamente a atividade profissional. Esse critério pode envolver maior subjetividade, especialmente em situações em que um dos sócios atua apenas em funções administrativas ou societárias, sem participação efetiva na prestação dos serviços profissionais.

c) O terceiro requisito proíbe que a sociedade seja sócia de outra pessoa jurídica. Em regra, trata-se de uma condição objetiva e de fácil comprovação por meio da análise do contrato social e de registros públicos disponíveis nos órgãos competentes.

d) O quarto requisito determina que a sociedade preste exclusivamente serviços relacionados à habilitação técnica de seus sócios. Esse ponto pode gerar divergências interpretativas em casos nos quais a sociedade desenvolva atividades acessórias ou complementares à profissão regulamentada, mas que não estejam diretamente previstas no escopo profissional de seus integrantes.

e) Por fim, o quinto requisito exige que os serviços principais sejam executados diretamente pelos próprios profissionais habilitados, admitindo-se apenas o suporte de auxiliares. A delimitação entre apoio e execução direta pode ser sensível, especialmente em sociedades com estrutura mais robusta, que contam com empregados encarregados de atividades operacionais, o que pode suscitar questionamentos quanto à efetiva participação dos sócios na prestação dos serviços.

A melhor forma de garantir a aplicação da alíquota reduzida e evitar problemas futuros é se antecipar às mudanças e realizar um diagnóstico detalhado da estrutura societária, das atividades desenvolvidas e da forma de prestação dos serviços, aumentando as chances de enquadramento no regime favorecido.

Além disso, esse momento também deve ser aproveitado para avaliar, com base na realidade econômica da sociedade, se a migração para o Simples Nacional pode representar uma alternativa mais vantajosa diante da nova configuração tributária, especialmente para sociedades com faturamento menor ou estrutura mais enxuta.

A transição para o novo modelo já começa em 2026, com a aplicação das alíquotas testes do IBS e CBS. Em 2027, ocorrerá a extinção do PIS e da COFINS e, em 2033, conclui-se o período de transição, com a extinção total do ISS.

Diante do novo cenário tributário, é fundamental que as sociedades de profissionais regulamentados avaliem com atenção os impactos da reforma e as alternativas disponíveis. A adoção do regime especial com alíquota reduzida pode representar uma diferença significativa na carga tributária, mas não será automática nem garantida a todos — dependerá do cumprimento de critérios legais que envolvem tanto a composição societária quanto a forma de prestação dos serviços.

Por isso, é recomendável que essas sociedades realizem desde já um diagnóstico detalhado de sua estrutura, contratos sociais, atividades desenvolvidas e rotinas operacionais, a fim de verificar sua aderência aos requisitos do regime especial. A reforma não afeta apenas a alíquota, mas impõe uma nova lógica de tributação que exige planejamento, adequação e acompanhamento técnico-jurídico contínuo. Quanto antes as sociedades se prepararem, maiores serão as chances de preservar sua eficiência fiscal e evitar surpresas quando as novas regras entrarem em vigor.

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