O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar os embargos de divergência no Recurso Especial nº 1.896.456/SP, proferiu relevante decisão que conferirá maior efetividade às ações de execução: foi decidido que, em casos de doação de imóvel realizada entre familiares, é dispensável o registro de penhora para a caracterização da fraude à execução, desde que o ato ocorra em contexto de insolvência do doador.
O caso em questão envolveu a doação de um imóvel realizada após a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa familiar dissolvida irregularmente. A doadora, ciente da iminência de sua inclusão no polo passivo da execução, transferiu o bem para seus filhos com reserva de usufruto, mantendo-se na posse do imóvel.
Nesse contexto, a operação evidenciou uma tentativa de blindagem patrimonial, resultando na caracterização da fraude à execução, independentemente da ausência do registro de penhora na matrícula do imóvel, exigido pelo entendimento consolidado na Súmula nº 375 do STJ[1].
Além de destacar que a proximidade temporal entre a doação e a iminência da execução, somada à reserva de usufruto, reforçava a presunção de má-fé, a decisão também abordou a divergência existente entre a Terceira e a Quarta Turma do STJ. Enquanto a Terceira Turma aplicava de forma mais rigorosa a Súmula nº 375, exigindo o registro de penhora ou a comprovação de má-fé do terceiro adquirente para configurar a fraude, a Quarta Turma dispensava o registro quando o contexto familiar evidenciava o propósito de frustrar a execução.
Ao julgar os embargos de divergência, a Segunda Seção do STJ consolidou o entendimento de que, em casos de doações entre ascendentes e descendentes realizadas em contexto de insolvência, presume-se a má-fé do doador, dispensando-se o registro de penhora, com base na previsão do art. 792, inciso IV, do Código de Processo Civil:
“Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
(…) IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”.
Para os credores, a decisão traz relevantes benefícios práticos. A presunção de fraude em doações entre familiares elimina a necessidade de comprovar a má-fé específica do donatário, transferindo o ônus da prova para o devedor. E, com a dispensa do registro de penhora, o processo de execução ganha celeridade, permitindo a rápida constrição dos bens. Além disso, o entendimento do STJ inibe o uso do vínculo familiar como meio de ocultar bens, desestimulando manobras destinadas a frustrar o cumprimento das obrigações.
Ainda, o entendimento firmado pela Corte Superior permite aos credores anular doações realizadas durante a tramitação de um processo de execução, mesmo que o imóvel não esteja formalmente penhorado. Por exemplo, em casos de alienação de bens logo após a citação do devedor, a proximidade temporal entre a doação e a iminência da execução poderá ser suficiente para a presunção da fraude.
A manutenção do imóvel no núcleo familiar, especialmente com reserva de usufruto, constitui outro elemento relevante para caracterizar a má-fé do doador, pois evidencia a tentativa de manter o controle do bem sem se sujeitar aos efeitos da execução.
Além disso, a decisão repercute diretamente nas estratégias de recuperação de crédito, conferindo aos credores maior segurança para questionar transferências patrimoniais em benefício de familiares.
Em síntese, a decisão do STJ representa um marco na proteção dos direitos dos credores: ao relativizar o entendimento consolidado no enunciado nº 375 da Súmula do STJ para presumir a má-fé do doador de bens aos seus familiares em contextos de insolvência e dispensar o registro de penhora, o Tribunal acabou por limitar as possibilidades de blindagem patrimonial e, por consequência, fortalecer a eficácia do processo de execução.
[1] O reconhecimento da fraude à execução depende do registro de penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
26 março, 2025
20 março, 2025
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