STJ afasta aplicação da Súmula 308 à Alienação Fiduciária e fortalece segurança no crédito imobiliário

16/04/2025

Por Viviane Ramos Nogueira

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 2.130.141/RS, consolidou entendimento relevante para o setor imobiliário e financeiro ao afastar, por maioria, a aplicação da Súmula 308/STJ aos contratos de alienação fiduciária de bens imóveis. A decisão, de relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, destaca a necessidade de respeitar as diferenças jurídicas e estruturais entre hipoteca e alienação fiduciária, rejeitando a aplicação analógica da súmula nesses casos.

A Súmula 308/STJ estabelece que a hipoteca firmada entre a incorporadora e o agente financeiro não tem eficácia contra o adquirente do imóvel, mesmo que anterior à promessa de compra e venda. Essa orientação busca proteger o comprador de boa-fé, em especial nas operações vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em que a propriedade ainda permanece com a incorporadora no momento da contratação. No entanto, o regime da alienação fiduciária, regulado pela Lei nº 9.514/1997, apresenta uma lógica completamente diversa.

Na alienação fiduciária, a propriedade do imóvel é transferida ao credor fiduciário até a quitação integral da dívida, restando ao devedor apenas a posse direta e o direito de reaver a titularidade ao final do contrato. Trata-se de uma propriedade resolúvel, distinta da hipoteca, em que o devedor continua sendo o titular do domínio. Essa distinção é a fundamental: ao contrário do hipotecário, o fiduciante não tem legitimidade para dispor do bem sem a anuência do credor, sob pena de ineficácia absoluta do negócio jurídico perante este.

O STJ, nesse julgamento paradigmático, reforçou que a boa-fé do terceiro adquirente não é suficiente para convalidar promessa de compra e venda ou cessão de direitos realizada por devedor fiduciante sem autorização do credor fiduciário. Tais negócios jurídicos configuram venda a non domino, sendo ineficazes frente ao verdadeiro proprietário — o credor fiduciário. O artigo 29 da Lei nº 9.514/1997[1] é categórico ao exigir anuência expressa do credor para que o adquirente assuma as obrigações relativas ao imóvel.

Esse entendimento traz impactos concretos ao mercado jurídico e financeiro, especialmente nas operações de financiamento de empreendimentos imobiliários, nas quais unidades autônomas são frequentemente objeto de alienação fiduciária em favor do agente financiador. Embora essas unidades integrem o estoque de vendas da incorporadora — cuja comercialização é prevista e até esperada no fluxo econômico do projeto — a decisão do STJ reforça que sua negociação exige rigor formal e registral. Assim, preserva-se a segurança jurídica do credor fiduciário, evitando que negócios realizados à margem do sistema — como promessas de compra e venda não autorizadas — comprometam a eficácia da garantia.

Esse reforço à efetividade da garantia também amplia a segurança jurídica das operações estruturadas de financiamento que envolvem Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), que frequentemente contam com a alienação fiduciária de imóveis como mecanismo central de mitigação de riscos. Ou seja, a decisão contribui significativamente para a estabilidade do crédito imobiliário, ao impedir que operações formalizadas com rigor e registro sejam prejudicadas por negócios paralelos, garantindo, assim, maior previsibilidade jurídica.

Diante desse contexto, é fundamental que compradores, incorporadoras, loteadoras, investidores e agentes financeiros adotem boas práticas contratuais e registrais. Medidas como a análise da matrícula atualizada do imóvel, a previsão de cláusula de condição suspensiva em caso de promessa de venda por fiduciante, a obtenção da anuência expressa do credor fiduciário e a verificação da baixa da garantia antes da conclusão do negócio são essenciais para assegurar a validade e a eficácia da operação.

A decisão do STJ no REsp 2.130.141/RS reforça, portanto, a necessidade de diferenciação entre as garantias reais no ordenamento jurídico e de respeito ao princípio da continuidade registral. Em última análise, ela protege não apenas os interesses dos credores fiduciários, mas também a confiança e a previsibilidade do sistema de crédito imobiliário como um todo.

 

[1] Art. 29, da Lei nº 9.514/1997. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.